segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Sobre o crowdfunding e outras merdas.

Olá.
Começo pelo crowdfunding. Tem provavelmente mais de cem anos a boa prática de os sindicatos criarem os chamados "strike funds" para que, durante a greve, o trabalhador não morra à fome e tenha p pão, água, luz, tecto, ao receber uma "strike pay". Que os heróicos sindicatos portugueses, quase nunca preocupados realmente com os seus representados, nunca tenham pensado nisto, enfim, a inteligência, sabemos, é bem escasso. Mas que medrou nos tais cinco enfermeiros que. Dizer que são os hospitais privados a contribuir é merda da grossa. Sobre o crowdfunding estamos conversados: boa malha.
Agora a  greve. É legal e ataca onde dói mais: nos, podemos chamar-lhes, "k's" dos hospitais, a sua produtividade cirúrgica. Nos cinco hospitais em questão os números de 2018 já foram. A sangria financeira é dupla: actual e futura, pois as cirurgias acontecerão. Quando, onde...
Cruel? Todas as cirurgias adiadas serão não urgentes. Mas há graus de não urgência. A espera implica sobretudo dor e risco. Sobre a dor, o sofrimento, tenho dito. Sobre o risco: ninguém pode garantir que aqui e ali o timing de uma promoção de uma cirurgia de não urgente a urgente falhe por tardio. Eu sei, a falha seria médica, porque o qualificativo, de urgente e não urgente, também o é. Mas não queria que fôssemos por aí. Qualquer greve no sector da saúde implica um risco e impõe um ónus de sofrimento na pessoa doente. E esta não é a primeira greve no sector da saúde. Para dar um exemplo, os meus doentes hipocoagulados com varfarina, se há uma greve nas colheitas não são controlados, logo o nível de hipocoagulação perde-se e podem acontecer embolias cerebrais, hemorragias... garantem-me que nunca aconteceram? Ou que aquele doente a que não se mediram as tensões no dia "x" porque houve uma greve não terá pago por isso?
Imaginemos que no sector da saúde se proibem as greves. Isso implicaria um estatuto compensatório similar ao dos militares, por exemplo, com salvaguardas várias. E carreiras, por exemplo.
Eu não teria coragem para fazer ESTA greve, confesso. Mas eu sou médico. Tenho prestígio, tenho uma carreira. As minhas noites, que infelizmente preciso de fazer muitas para ganhar bem, são razoavelmente bem pagas. Se eu ganhasse o que um enfermeiro do quadro do meu hospital ganha, o mesmo há vinte, trinta anos, apesar das noites, sem progressão, sem carreira, sem qualquer tipo de reconhecimento, obrigado a trabalhar noutro lugar mais vinte, trinta horas para chegar ao fim do mês sem dever, bem, não sei o que faria.

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