terça-feira, 6 de outubro de 2015

Ás de Paus - 3.

Se há coisa que eu me lembro de 75 é de eu, onze anos feitos, perguntar: onde está Sá Carneiro? O PSD esteve grande parte de 75 entregue a Emídio Guerreiro, um velho senhor anti-fascista com bastante prestígio e alguma desorientação. E isto porque Sá Carneiro viveu um período de doença complicado, passado predominantemente no estrangeiro. Quem lê a descrição destes meses na biografia de Sá Carneiro apercebe-se do quadro, podemos chamar-lhe "psicossomático" que atrasou a volta de Sá Carneiro a Portugal. Sá Carneiro estava profundamente desanimado consigo e com o país. O mesmo aconteceu em 77. E também, prestando alguma atenção aos acontecimentos, se nota um envolvimento psicológico da doença que atrasou o retorno de Sá Carneiro à actividade. O primeiro-ministro era... Mário Soares. Das duas vezes Sá Carneiro acabou por voltar como se fosse um furacão - pequeno, claro, um metro e sessenta e quatro, lembro, mas furacão na mesma -  destroçando as hostes inimigas, habitualmente uma ala "elitista" de esquerda rendida aos cantos de sereia do PS ou de Eanes. É ainda mais curioso ler que, nas acaloradas discussões internas desses tempos, Sá Carneiro foi acusado de "ciclotímico", "desequilibrado mental", etc., e o seu bem estar físico e psíquico foi questionado, quase pedindo-se documentação médica para verificar que Sá Carneiro estava.. adequado para os cargos em disputa. Em 77, Joaquim Pinto Machado, médico de formação embora não clínico, e, já agora, um dos melhores professores que eu já tive na minha vida, acusou Sá Carneiro de "maniqueísmo", e várias outras coisas. Foi outro que abandonou o PSD. "Maniqueísmo" é aquela coisa de "ou branco ou preto", ou estás comigo ou contra mim". Nas suas lutas pelo poder assim era Sá Carneiro, efectivamente. 
Em 75-76, após reconquistar o PSD a Emidio Guerreiro, e em 78-80, após superar a crise das "Opções Inadiáveis" e criar a AD, a actividade de Sá Carneiro foi, pelo contrário, frenética, imparável, excessiva. Sá Carneiro queira empurrar o país para a frente quase como que a "murro legislativo". Ansiava por devolver os militares aos quartéis e transformar Portugal num país europeu normal, sem Conselhos da Revolução nem equiparados. Já então o atrapalhava aquela palavra do "socialismo" na Constituição... que o seu partido tinha aprovado! 
Vendo bem, sto é... ser pelo menos um pouco ciclotímico, sim, definido como um traço de carácter, não uma doença. É também uma constante da sua história o flirt com o perigo, o expor-se a situações perigosas ou complicadas. A morte de Sá Carneiro, independentemente de ter sido um atentado ou não, não foi a primeira vez que ele passou por apuros no ar em pequenos aviões Cessna. A sua condução era... selvagem, digamos, e, quando primeiro-ministro, tinha como desporto escapar-se aos seguranças. Dizia que "ia morrer novo"... e cumpriu.

Socorro-me de outra biografia de Sá Carneiro , a feita por Maria João Avillez, que eu não li, mas ouvi citar. Sá Carneiro não teve uma paixão amorosa mas duas. A segunda foi Snu Abecassis, como é bem sabido. Conta Maria João Avillez que  assistiu a uma reunião em 1976 onde estavam todos os principais líderes partidários e onde Francisco Sá Carneiro pouco tinha participado - "ele tinha conhecido Snu recentemente e estava visivelmente apaixonado". Isto em Mário Soares, o "agricultor" de Nafarros, seria impensável. Sá Carneiro foi um metro e sessenta quatro centímetros de extremos. Um homem apaixonado e apaixonante. Felizmente ninguém o medicou a não ser com analgésicos nem ninguém o diagnosticou de, sei lá, bipolar, por exemplo, arrumando para o estatuto de doente mental. Hoje, se fosse vivo, possivelmente estaríamos de lados opostos da barricada. Não importa. Portugal não conheceu nos últimos cinquenta anos outro político como ele. 

Sem comentários:

Enviar um comentário