terça-feira, 17 de novembro de 2015

Abdellatif Kechiche - L'Esquive - 2003.

Talvez uma forma de falar e fugir de Paris seja falar de Abdelattif Kechiche - AF.

AF nasceu na Tunísia em 1960. Foi viver com os seus pais para Nice aos 6 anos de idade. E hoje é dos realizadores franceses mais conhecidos e premiados. 

Vi há umas semanas "L'Esquive". Saído em 2003, é o seu segundo filme. A história é muito curiosa: num subúrbio duma cidade francesa cheio de magrebinos de segunda geração, um grupo de adolescentes vai representar uma peça dum autor clássico francês, Marivaux, de seu nome "Jeu de l'amour et de l'hasard". Krimo é o namorado de Magali mas apaixona-se por Lydia, que é a estrela da peça e, curiosamente, a única loura em todo o grupo de adolescentes. Ela anda por todo o bairro a exibir o seu vestido da peça bem como o seu domínio das falas de Marivaux, falas de sedução e de dito-não-dito onde Krimo não consegue entrar. Ele "compra" o seu lugar na peça, tenta contracenar, torna pública a sua zanga com Magali. Estes são adolescentes que juram pela "Santa Pedra de Meca" e pelo Corão e que dizem "Inshallah" por tudo e por nada. O que não faz deles muçulmanos, só faz deles "outros". Rachid é o "amigo mais velho" de Krimo e quer que tudo se resolva. "L'Esquive" é Lydia, a rapariga que não se resolve. Rachid engana-se na sua bruta necessidade de ajudar Krimo: a loura? Rachid mete-os num carro - roubado? - e manda-os para um descampado. E aí que se resolvam - não há mais que esquivar, não é assim que se namora num bairro social. E aparece a polícia francesa.
A peça é representada sem Krimo. Na parede do seu quarto Krimo tem uma reprodução dum grande veleiro e ainda não chegou à conclusão de com quem vai fazer aquela sonhada viagem: sabemos que não vai ser com Magali nem com Lydia...

AK não facilita. Marivaux vai ter como estrela a única loira do bairro. Mas em nenhum momento lhe é dito isso, parecendo a sua integração perfeita. Só Rachid não conta com ela nas suas contas. O texto de Marivaux e o falar destes adolescentes pertencem a planetas diferentes - onde em ambos se fala francês. A única "não-magrebina" interessante/interessada da história é a professora que encena a peça. Na peça há um jogo de inversão de papéis  - a criada faz de patroa, etc. Mas a professora avisa/ensina que a inversão dos papéis não é que um disfarce, um engano, as classes sociais são barreiras que ali não se transpõem, e isto, dito num liceu dum bairro da periferia, é muito dizer. E Krimo não entende Marivaux.

A peça acontece e, num bairro social de franceses com origem predominantemente magrebina, é uma rapariga loura que faz o papel principal. Há a esperada festa, o sucesso, a comedida felicidade dos pais. Lá fora, a vida do bairro espera por todos eles e, digo-vos, pela Santa Pedra de Meca não deve ser fácil. Lydia dias depois chama por Krimo que não lhe responde - e neste silêncio se pode resumir todo um filme.


PS: Krimo nasce de Abdelkrim.

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