terça-feira, 15 de dezembro de 2015

O Vitorino.

O Vitorino não estava bem. Amigos não desde sempre mas quase, a face seca e abstracta do Vito era o meu espelho deformado, eu onde os anos tinham já acrescentado excessos e redundâncias. O Vito vivia em Alfena - por opção. Era engenheiro de minas suficiente mais - nunca excedera a eficiência, nunca progredira em nenhuma carreira. Quando alguém novo na sua vida perguntava "mas afinal o que é isso  - ser engenheiro de minas?", muito provavelmente esse personagem novo, habitualmente uma mulher, passaria ao mundo pretérito em dias, senão horas. Porque o Vitorino tinha um mundo pretérito extenso, antónimo da minha paz familiar, onde só o número de cães variava. Considerava eu uma honra saber-lhe o nome de todas. E ele respondia-me "Sabes que, a ser homem, serias tu, mas agora estás pró pesado, aliás a Gena não se tem queixado?". Por estas e outras a visita do Vito a minha casa não era frequente.  E lá estavamos nós no café do costume.
"Ó Vito, que se passa? Que merda te dói?" "Pá, nada! Sabes como aqueles cabrões da Mota-Engil me exploram, mas estou habituado!" "Voltaste a fumar?" "Não." "Bebes mais do que o costume?" "Não." "Compraste um dragão de Komodo e não sabes o que vais fazer com ele" "Não, nada cómoda essa cena de Komodo!" 
O Vitorino olhava para algures depois para mim depois para algures, eu diria talvez para a altura de um vigésimo piso. Há semanas que ele não me informava de um novo filme que eu não iria ver, de um livro que eu não iria ler, de uma catástrofe cultural que eu iria apoiar online - porque sou mesmo muito amigo do Vito e só por causa dele tenho Face e Twitter e Tumblr e mais duas ou três coisas dessas que já em minha casa motivaram alguma ciumeira e - apercebi-me - alguma espionagem informática que me adjudicou um estranho orgulho.
"Então, Vitorino, que se passa?" O olhar do Vitorino de repente saltou do céu para o outro lado da rua e alegre e triste como a canção tentou ganhar vida, a tal vida que me parecia estar-lhe ausente desde pelo menos aquela derrota do Sporting com os albaneses. Ambos somos sportinguistas. Tentou mas não conseguiu.
"Não te preocupes, eu habituo-me!"

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