quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Joaquim Agostinho, um Homem Antigo. E Rui Costa.

Em 1980 lembro-me ter assistido pela televisão a uma chegada em alto no Tour de France. Que não foi a do Alpe d’Huez - em 1980 não havia Alpe d'Huez. No ano anterior a vitória na subida ao Alpe d'Huez tinha sido de Agostinho, aos 36 anos. Em 80 Agostinho foi um pouco mais discreto, apenas um 5º lugar na geral para compensar toda uma época velocipédica em que Agostinho estivera a correr ao mais alto nível: 3ª na Volta à Corsega, nos 4 dias de Dunkerque e no Criterium du Dauphiné, 2º no Midi-Libre. Volto à transmissão, não sei que final foi nem quem ganhou, Agostinho era facilmente identificável, 37 anos, um tronco maciço, um caracol preto ondulado sem qualquer protecção que então não se usava. Faltavam três, quatro curvas, Agostinho acorda, como que repensando o que devia ser o seu lugar na classificação final da etapa, engrena outro ritmo, ultrapassa um, dois, três adversários, poder puro. Por muitos anos que viva, esta é uma imagem que não esquecerei. 
Vamos esquecer a ladainha dos oito top dez na geral do Tour de France. Agostinho terminou no top dez de noventa e seis etapas no conjunto das suas dezanove participações nas três grandes voltas de três semanas – França (14 anos), Espanha (5 anos) e Itália (1 ano). Sessenta e sete na francesa, vinte e oito na espanhola e uma única vez numa mal sucedida participação no Giro. Destes 96 top dez, 24 foram pódios e sete foram vitórias em etapa. Comparando, Rui Costa só fez três vezes top dez, as três vezes no Tour de France e das três vezes ganhando (sempre) a etapa. Dirão que é injusto comparar um palmarés feito com outro em construção. Rui Costa tem hoje 28 anos. Aos 28 anos Agostinho já tinha participado em três Voltas à França (conseguindo um 5º lugar na geral à 3ª tentativa), com 19 top dez, 5 pódios e duas vitórias em etapas. Tinha ainda ganho uma etapa na muito competitiva Setmana Catalana em duas participações, uma prova que já não existe. Não fizera muito mais, as outras (poucas) provas entendidas possivelmente apenas como rodagem. 
Rui Costa tornou-se conhecido não só pelo Campeonato do Mundo mas também pelas suas três vitórias na Volta à Suiça. É, portanto, uma espécie de especialista em corridas de uma semana que ainda não demonstrou capacidade de passar a ser um ciclista de primeira linha numa corrida de três semanas. Assume-se que a tem mas faltam os números. Na Volta à França, sua prova preferida de 3 semanas, foi 18º em 2012, 28º em 2013 (quando ficou para trás para ajudar Valverde) e abandonou com pneumonia em 2014 quando estava nos 1ºs 15. Mas, continuando nas provas de 1 semana e fazendo as contas aos pódios em etapas e vitórias, Agostinho tem mesmo assim, a partir de um conjunto de participações... ocasionais mas interessantes, 12 pódios e quatro vitórias em etapas, exactamente os mesmos nºs que Rui Costa tem até hoje. 
Rui Costa vai ser o maior corredor português de todos os tempos de corridas de uma semana (ultrapassando Acácio da Silva, outra história...) e de corridas de um dia (idem). No que a Grand Tours diz respeito o palmarés de Agostinho parece-me inalcansável. Lembro-me de velhas discussões sobre a eventual falta de ambição de Agostinho. É possível que tenha sido o caso: o ciclismo durante muitos anos foi um meio para atingir um fim na cabeça de Agostinho, conta-se a famosa história do abandono de uma prova em França para salvar na quinta em Torres Vedras umas vacas perdidas. Rui Costa só vê ciclismo à frente dos olhos. Mas, a pensar nas vacas ou não, Agostinho foi um corredor com um perfil de luta e risco muito diferente do de Rui Costa. Este quando ataca é para ganhar mesmo – escolhendo com muito – excessivo? – cuidado o momento do ataque. Agostinho não era o corredor cerebral que Rui Costa é. Mas foi melhor ciclista.

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