quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Uma consulta divertida.

Tinha-lhe pedido uma consulta divertida. Não pôde ser. Até tinha umas coisas para agradecer-lhe. Por exemplo um abismo. A consulta anterior: nunca tinha eu visto tão perto um abismo como o seu. Um abismo que falava, onde era dito e repetido a inutilidade do ser e do estar, a pressa em encontrar uma porta, uma janela, uma saída para isto tudo. Até na veemência e na abertura da explicação via-se o quanto nos tínhamos em mútuo apreço. Disse-me com todas as letras: quero morrer. Outubro, seis. E ontem o seu marido veio contar-me o seu último dia. E exibiu-me a convocatória da consulta: “quero uma consulta divertida” manuscrito no papel da convocatória, letra de médico et pour cause. Que grande parvo! Eu. Querias diversão? Vou-me divertir para outro lado. Diziam que estava incapaz de conduzir. Enganou-os. Pegou nas chaves, decidiu um caminho conhecido, uma praia e o mar de sempre. Lembro-me de um filme onde o mar é o fundo dado para um possível paraíso. Estacionou e deixou o carro fechado, mas aberto. Caminhou pela praia e pelo mar adentro. Permita-me que lhe pergunte: chegou onde, Maria Antónia? E a pergunta final, a maior de todas: porquê a Maria Antónia, a inteligente, atenta e exigente com a vida Maria Antónia? E eu, o que faço eu agora, como justifico o meu estar, persistir aqui?

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