quinta-feira, 30 de maio de 2024

Anuário Ilustrado do Ciclismo - 1946.



Em 1946 as cicatrizes da guerra estavam frescas. A Alemanha estava ocupada, a Itália era um inimigo derrotado, Bélgica e França eram países massacrados pela longa ocupação alemã e a guerra da libertação. Ainda não seria o ano da "integração" europeia do ciclismo. Em vez de um pelotão existiam vários.

Cortesia (como todos os anos) das condições climáticas, o ciclismo começou só começou a mexer em Março.

Em França começaram a acontecer no sul algumas provas de um dia. Na Bélgica correu-se a 2ª Het Volk (nome de um jornal de Ghent) e o pelotão era quase exclusivamente belga, belga o obscuro vencedor. Dois dias depois, a 19 de Março, corria-se a primeira grande prova, a Milano-Sanremo. Com um percurso frenético a roçar os 300 km, a Classicíssima foi mais recentemente apelidada de Monumento para os sprinters, com a decisão da corrida a acontecer a poucos kms do fim na subida do Poggio,  se alguém se isolar ganha, a não acontecer a separação das águas ganha um sprinter. Em 1946 ainda não havia o Poggio como última dificuldade. Mas havia Fausto Coppi. E quem era Fausto Coppi? Ganhara uma Volta à Itália em 1940 com 20 anos de idade, quando era apenas um gregário recem-chegado do melhor ciclista italiano daquele tempo, Gino Bartali. Bartali atropelara um cão e caíra na 2ª etapa, ficando diminuido e assim se escreveu história. Bartali era 6 anos mais velho e a rivalidade destes dois corredores moldaria o pos-guerra do ciclismo europeu e da Itália enquanto pais. A Guerra diminuira o número de provas em Itália e o circuito internacional era nenhum. Mas Coppi conseguira em 1942 bater o record mundial da hora. Coppi era então à partida o vencedor do último Giro (1940) e o detentor do Record Mundial da Hora (que só vira a ser batido 14 anos depois). Bartali vencerá os Giros de 36 e 37 e o Touro de 38. O pelotão era sobretudo italiano mas tinha os dois melhores ciclistas do mundo. No Passo Turchino, a 147 km da meta, Coppi arrancou isolado do grupo da frente e nunca mais ninguém o viu. Chegou a Sanremo com mais de 14 minutos sobre o segundo, o francês, Lucien Teisseire. Bartali chegou no grupo que discutiu o 3º lugar, a 18 minutos. Assim corria Coppi.

Em Abril o ciclismo rumou a norte e aconteceram as clássicas hoje conhecidas pelo "pavé" - em 1946 sei lá como estariam os pisos... Respeitando uma ordem que curiosamente em 2024 também aconteceu, A Volta à Flandres foi a 14/4, o Paris-Roubaix a 21/4. E a 28/4 correu-se o Paris-Bruxelas, uma corrida que entretanto perdeu prestígio mas que em 46 ainda era cabeça de cartaz. 

A Volta a Flandres tinha um percurso bastante diferente do de hoje e o pelotão era quase só composto por belgas. Venceu um "Flandrien" de 21 anos de nome Rik van Steenbergen, deixando para trás e a completar o pódio o Francês Louis Thiétard e o favorito Briek Schotte, o "Flandrien" do momento e 5 anos mais velho. Durante a guerra Schotte vencera a Ronde em 42 mas perdera-a para Steenbergen em 44 - com 19 anos o mais jovem vencedor da Ronde de sempre. "Flandrien" era definido como um corredor raçudo, manhoso, valente, que desafiava os elementos e fazia tudo para ganhar. O que, dizem, só acontecia com quem nascera na Flandres. O nome "Flandrien" era aliás uma alcunha aplicada pelos americanos aos ciclistas de pista dos anos dez e vinte que cruzavam o Atlântico para ganhar a vida nas então populares provas de pista americanas. Diziam que so "Flandriens" comiam carne crua ao pequeno-almoço de tão brutos que eram. 

O pelotão do Paris Roubaix era um misto de franceses e belgas. Paris-Roubaix era a clássica das clássicas, famosa desde sempre, um percurso com algumas variações ao longo do tempo mas sempre a terminar no velódromo de Roubaix. Rik van Steenbergen era agora o favorito mas furou duas vezes e desistiu. Schotte não sei se participou. Ganhou num sprint a três George Claes, um "Fladrien" de 2ª linha, à frente do francês Louis Gauthier.

No domingo a seguir  corria-se a Paris-Bruxelas. Esta corrida também começara no final do séc. XIX e tinha ainda nesta fase muito cartaz. Na zona belga residiam as dificuldades, alguns "muros" para subir, e num deles Briek Schotte isolou-se para ganhar com mais de 4 minutos de avanço. Nos que terminaram a corrida não se fala de Claes nem de Rik van Steenbergen. Portanto, terminado Abril, uma vitória importante para três belgas, van Steenbergen, Claes e Schotte.

A 1 de Maio começou uma corrida por etapas que já tinha tido algumas edições e que se chamava Paris-Nice. Consistiu em 5 etapas e terminou (como em 2024) no Passeio dos Ingleses em Nice. A vitória pertenceu a um rolador italiano de nome Fermo Camellini já com 32 anos, emigrado para França quando criança e que se naturalizaria francês em 48. Mais um bom ciclista a que a 2a Gtande Guerra roubara parte da carreira. Nesta década seria o único Paris-Nice a acontecer mas fora bem concorrido (Briek Schotte terminou em 7º). A comida em França estava racionada. Teve que existir uma licença específica para que o apoio logístico funcionasse e os ciclistas tivessem o que comer.

A 5 de Maio, no mesmo dia em que se terminava o Paris Nice, aconteciam duas corridas de um dia com cartaz. Uma o Campeonato de Zurich (Zurich Metzgete ou, mal traduzido "a canificina de Zurich"), uma prova com bastante pedigree.que infelizmente terminou no início do séc. XXI. Venceu-a Bartali à frente de Fausto Coppi, num sprint entre os dois controverso - Coppi sofrera um contratempo com o calçado e Bartali aproveitou e disparou. 

No mesmo dia aconteceu a Liége-Bastogne-Liege. Hoje um dos Cinco Monumentos e destes o mais antigo, a sua importância nos anos 40 ainda não era tão consensual. A vitória sorriu a Prosper Depredomme, um bom corredor belga mas não um "Flandrien".

A 7 de Maio começava entretanto a 6ª Volta a Espanha (sim, a Vuelta tem uma história bem menos egrégia do que o Tour ou o Giro). No pelotão estavam os melhores espanhóis (e os outros), uma equipa suiça, uma equipa luxemburguesa e.. uma equipa portuguesa! Em 45 João Rebelo- ciclista do Sporting, já agora, e que nunca venceu a Volta a Portugal - surpreendera com um 6º lugar e vitória em duas etapas! Em 46 Rebelo teve uma prestação mais discreta terminando em 10º, mas houve outra vitória lusa numa etapa, desta vez por João Lourenço. A vitória sorriu a Dalmacio Langarica, a sua melhor vitória de sempre, à frente de Julio Berrendero, o melhor ciclista espanhol destes tempos e que já tinha vencido o Prémio da Montanha num Tour nos anos 30. A completar o pódio o luxemburguês Jan Lambrichs, que fora 8º no Tour de 39.


A prova mais importante de um dia em Maio foi o Paris-Tours, que nestes tempos era um grande cartaz. Briek Scotthe coleccionou mais uma vitória isolado numa prova onde só terminaram 24 dos 170 franceses e belgas que partiram (nada de estranho tendo em atenção o estado das estradas, etc.). 

Lembro que na maior parte das provas não se consegue aceder à lista de participantes e portanto não se pode presumir a não comparência de determinados nomes a determinadas provas excepto no caso de provas coincidentes na data. Entre furos, quedas e avarias mecânicas o mais habitual neste tempos para qualquert ciclista era não terminar a prova qualquer que ela fosse. Claro que os melhores caiam menos, evitavam um pouco mais furos, avarias mas mesmo assim... Mas eram tempos muito mais aleatórios do que os de hoje ou mesmo do que eg vinte anos depois.

A 15/5 começou a Volta à Bélgica (prova com início anterior ao Giro) que ainda tinha uma importância transcendente na Bélgica. O vencedor foi Albert Ramon.

Depois aconteceram duas provas de 1 dia com origem nos anos 30 mas que estavm a ganhar relevância. A 26/5 correu-se a Gent-Wevelgem. Venceu o belga Ernst Sterckx num sprint a três. Em 5º terminou Stan Ockers, uma belga de que voltaremos a falar. A 9/6 aconteceu a Fléche Wallone, que não terminava no Muro de Huy mas em Liége, vencendo um sprint a 2 ganhou o belga Desirée Keteleer. Schotte correu esta corrida e depois foi correr na Volta ao Luxemburgo (prova com origem nos anos 30) que ganhou.

E chegámos à Volta a Itália. Como em 1940 o pelotão era exclusivamente italiano. Em 1940 Coppi ganhara por, com problemas mecânicos após uma queda, Bartali ter perdido as hipóteses de vitória. Pertenciam à mesma equipa, Coppi era um jovem gregário. Bartali numa das etapas mais difíceis ajudara Coppi a continuar. Agora eram adversários. Muito adversários. Na 9ª etapa Bartali ganhou 4 minutos a um Coppi em crise. Depois nos Dolomitas em três etapas Coppi foi pouco a pouco recuperando, recuperando, mas não o bastante para não deixar de ficar em 2º a 47''. O 3º classificado ficou a mais de 15 minutos num Giro onde não houve contra-relógios. Bartali 2 Coppi 1.

Enquanto decorria o Giro em França decorria uma prova histórica e atípica, a monstruosa Bordéus-Paris, 588 km com a 2ª metade do trajecto a acontecer atrás de "Dernys", motoretas para pacing em meio-fundo na pista e na estrada. A 1ª edição fora em 1891. Em 1946 ganhou Emile Masson Jr, filho do vencedor do mesmo nome em 1923. 


Em 46 não houve Tour. No mês de Julho aconteceram duas corridas por etapas organizadas por diferentes jornais para de alguma forma "substituir" o Tour. Lembro o racionamento dos víveres vigente. A primeira, chamada Ronde de France, foi organizada pelo Ce Soir e aconteceu entre Bordeaux e Grenoble, correndo o sul de França e visitando, como se um verdadeiro Tour, os Pirinéus e os Alpes. Em vez de equipas nacionais corriam equipas de marca. Ausentes Coppi e Bartali, ausente também René Vietto, o clicista francês mais popular. Nas 5 etapas a 2ª era nos Pirinéus e nela o italiano Giulio Bresci ganhou isolado bastante tempo que se revelou suficiente para vencer a prova. Bresci fôra 6º no Giro e era um bom atleta mas não excepcional. Os italianos, a correr logo depois do Giro funcionaram como equipa, os franceses correram divididos, os italianos foram 5 no top 10, o melhor francês, Fachleitner, foi 3º- 

A segunda prova aconteceu na 2ª metade do mês e foi organizada pelo jornal l'Equipe, o sucessor do l'Auto, extinto em 44 e que organizava antes da Guerra o Tour. A prova ia ser corrida por equipas "nacionais" ou "regionais" entre Monaco e Paris. Seriam 5 etapas, a 2ª e a 3ª mergulhando nos Alpes. A equipa italiana foi parada pela armada francesa, que ficou nos 5 primeiros lugares. Apo Lazarides foi 1º. René Vietto 2º, Jean Robic 3º.  Já agora, o único belga a ultrapassar os Alpes e terminar a prova chamava-se Edward van Dijck e terminou em 15º.

Enquanto decorria a Ronde de France acontecia a Volta à Suiça. E verdadeiramente esta Volta a Suiça, uma prova iniciada nos anos 30 e que já era a volta de uma semana com mais nome, foi a corrida por etapas de 1946 com o pelotão mais internacional e portanto mais competitivo, se esquecermos a ausência de Fausto Coppi. Havia equipas (nacionais? não consegui saber) italianas, francesas, suiças, belgas e espanholas. Bartali ganhou logo a 1ª etapa e a partir daí controlou a corrida. Significativamente também ganhou o prémio da montanha. O melhos suiço, Joseph Wagner, ficou em 2º, o francês Vietto foi 4º, o espanhol Berrendero 7º.  Callens, o melhor belga, foi 5º. 

Agosto é no ciclismo o mês das quermesses, dos critérios, das corridas nas cidades e vilas para o povo admirar os seus heróis. 


A 1 de Setembro aconteceu em Zurich o 13º Campeonato do Mundo, 270 km de um circuito rugoso onde o Campeão Suiço em título, Hans Knecht, bateu po 10" o campeão do mundo em título (desde 38), o belga Marcel Kint. Kint, 32 anos, estava no ocaso de uma carreira que a Guerra também tinha truncado. Para Hans Knecht, curiosamente um ano mais velho, foi a vitória de uma vida. A medalha de bronze foi para Rik van Steenbergen que, com 22 anos incompletos, era o futuro. Coppi não terminou a prova, Bartali foi 12º, o melhor francês em 6º Guy Lapébie, o irmão mais novo do vencedor do Tour de 37, Roger Lapébie. 

A 13 de Setembro terminava a 26ª Volta à Catalunha, a prova ibérica mais antiga, vencida por Berrendero com autoridade. O vencedor da Volta a Espanha. Langarica não esteve presentte, apareceram sim alguns estrangeiros contratados avulso por equipas locais e que deram alguma luta, em 2º ficou por ex Gotfried Weilenmann,  futuro vencedor da Volta à Suiça.

A 15 de Stembro Fausto Coppi viajou até Paris para ganhar perante uma armada francesa o GP das Nações, considerado informalmente então o Campeonato do Mundo do Contra-Relógio. Claro que isto era uma prova à antiga, 140 km que foram corridos em mais de 3h e 40m a solo. Funcionava por convite e dos 28 escolhidos só 7 eram não franceses. Mas também havia provas prestigiadas bem mais pequeninas, como o contra-relógio de 4,3 km do A Travers Lausenne corrido a 22/9 e ganho por Fermo Camellini.

Fechou o ano a 27 de Outubro com a Volta à Lombardia, com um pelotão também quase só italiano. Coppi voltou a vencer isolado, desta vez depois de deixar para trás dois companheiros de fuga pouco antes da chegada a Milão. 40 segundos não eram 14 minutos mas Coppi terminava o ano como começara, a ganhar. Faltara a cereja no bolo, vencer Bartali no Giro.

O ano de 1946 fora um recomeço. O pelotão estava dividido pelos vários países, por agora. Em Itália dominavam Bartali e Coppi, na Bélgica, terra das clássicas, Schotte e van Steenbergen. Na França vários nomes apareciam como interessantes, nenhum confiantemente numa primeira linha. Mas o Campeáo do Mundo fôra suiço.


domingo, 19 de maio de 2024

Il Sorpasso.



"Il Sorpasso" foi o lema do Partido Comunista Italiano nas eleições legislativas de 1976. O referendo a favor do divórcio tinha sido um êxito em 74 e o PCI acreditava que em 76 conseguiria ultrapassar a Democracia-Cristã. Não conseguiu. E os 34% de votos obtidos nessa eleição não se voltaram a repetir. Hoje a Itália é governada por Giorgia Meloni, uma populista de direita herdeira dos "sociais-fascistas" nostálgicos de Mussolini.  

Aproximam-se eleições europeias. E o meu medo é este: o populismo está crescer por toda a Europa e, brevemente pode conseguir em muitos países, em Portugal, por ex., "il sorpasso", isto é, passar de terceiro para segundo ou primeiro partido, obrigando a uma alternância ou com a centro-esquerda por ter ultrapassado ou "anulado" o centro-direita tradicional, ou uma alternância com o centro-direita por menorização de qualquer alternativa de esquerda.

Em Portugal a primeira hipótese é bastante possível, vejamos os tempos parlamentares que estamos a viver. Há porém esperança, e ela tem um nome: António Tânger Corrêa, assim mesmo com dois circunflexos, o inenarrável candidato às Europeias do Chega.

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Vamos então país a país na União Europeia e vamos restringir esta sondagem à Europa "Ocidental". Na Europa "de Leste" a batalha é diferente: o populismo as mais das meses governa e o difícil é tirá-lo do poder.

A Itália: começámos este escrito com a Itália. Um pouco de história, por favor: o xadrez político italiano soçobrou no final do século passado à "Operação Mãos Limpas". Ironicamente porém o poder acabou nas mãos do herói maior do populismo europeu, Silvio Berlusconi. Portanto foi mesmo a Itália o primeiro país a ser governado por um político populista. A esquerda sofreu dois terramotos ao mesmo tempo, a implosão do Partido Comunista, que decidiu mudar a sua denominação, e a morte do Patido Socialista, profundamente implicado na corrupção do estado. Toda esta confusão permitiu a criação de partidos bizarros, como o "5 Estrelas", anti-sistema, iniciado por um cómico televisivo e que chegou ao governo ora com a direita ora com a esquerda, Nas eleições europeias de 2019, o primeiro partido era a Liga, com 34%, um partido de direita defensor dos direitos da parte norte do país, em 2º lugar COM 22% o Partido Democrata, uma congregação de centro-esquerda herdeira longínqua da implosão comunista de há 30 anos. Porém nas Legislativas de 2022 o voto da direita tinha migrado para os "Irmãos de Itália", de Giorgia Meloni, com 25%, com os Democratas a obterem apeanas 19%. Il sorpasso estava feito em Itália mas no sentido oposto ao desejado. Giorgia Meloni é hoje o político de referência em Itália.. Democracia 0 Populismo 1.

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Vamos até França. Este país de nobre ideais, tem o movimento de extrema-direita que, na Europa, tem expressão de dois dígitos em eleições há mais tempo no pós-guerra. Jean-Marie Le Pen concorreu nas presidenciais de 2002 contra Jacques Chirac ao ultrapassar o candidato Lionel Jospin do PS Francês na primeira volta. Il sorpasso... Marine Le Pen, a sua filha, arredondou um pouco as arestas do partido cujo nome passou de Frente Nacional para Reagrupamento ("Rassemblement") Nacional e conseguiu repetir a presença da 2ª volta das presidenciais em 2017 e 2022, contra Emmanuel Macron, perdendo em ambas, é certo. Macron? Um homem de centro-direita, nunca de esquerda. A polítiica francesa, na esteira de De Gaulle, é muito personificada. Macron criou o seu partido, que foi esvaziar outros partidos ao centro e por aí perto. Nas Europeias de 2019 Marine Le Pen ficou em 1ª com 23% dos votos, La Republique en Marche de Macron em 2º com 22%.  Os Verdes foram a 3ª força com 13%. Em 2022 nas Legislativas Macron ganhou à justa - 26%/25% - a uma coligação Unitária de Esquerda que duvido que se repita quer no êxito quer no formato, colocando (transitoriamente...) Le Pen em 3ª com 18%... Podemos no entando avançar para um Democracia 1 Populismo 1.

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A Espanha é um caso muito especial pela sua cena política estar muto dominada peal discussão dos separatismos, sobretudo do separatismo catalão. Para além do mais, o principal partido de direita espanhol, o PP, perfilha muito léxico populista e faz da sua oposição ao catalanismo o seu ganha-pão no resto de Espanha. A extrema-direita, o Vox, é uma invenção recente mas já com algum sucesso. Em 2019 os Socialistas espanhóis (PSOE), ganharam as Europeias com 32%, deixando muito atrás - 20% - um PP afogado em casos de corrupção e logo a seguir uma cisão deste (que entretanto já "morreu") chamada "Cidadãos", com 12%. Em 2023 nas Legislativas, o PP obteve 33%, o PSOE 31% e o fenómeno Vox 12%. O PP tentou governar COM o apoio expresso de Vox mas não conseguiu. E os socialistas tiveram que "vender-se" aos independentistas catalães para governar. Humm... Democracia 2 Populismo 1.

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Continuando nos peixes gordos, a Alemanha. O sistema eleitoral alemão no pos-guerra baseou-se sempre na existência de dois grandes partidos, os Cristãos-Democratas (CDU) e os Sociais-Democratas (SPD), que alternaram na governação. Entre 2013 e 2021, por erosão das votações nos dois partidos eles govern aram coligados com Angela Merkel, cristá-democrata, como primeira-ministra. Nesta erosão tinham aparecido à esquerda o "Partido Verde" e "A Esquerda", uma secessão do SPD mais os ex-comunistas da RDA. Mas à direita também apareceu, NA ALEMANHA, um partido de extrema-direita, o "Alternativa Para a Alemanha". Este partido recolhia muitos votos na ex-RDA mas não só. Nas Europeias de 2019 a CDU teve 28% dos votos, os Verdes 20%, o SPD apenas 15% e o AFD 11%. Nas Legislativas de 2021 a ausência de Merkel fez-se sentir. O SPD obteve 25%, a CDU 24%, os Verdes 14% e a AFD 10%. Formou-se um governo de coligação centro-esquerda que ainda se mantém. Democracia 3 Populismo 1.

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Os Países Baixos são um país com um mapa político muito extenso, obrigando sempre os governos a nascerem de coligações. Estas giraram classicamente à volta dos Liberais-Democratas e dos Trabalhistas. Até que no início do século apareceu Geert Wilders. Este dissidente dos Lib-Dem. fundou o "Partido da Liberdade" (PVV) e rapidamente as suas falinhas mansas a defender o "holandês comum" e a falar contra Bruxelas e o Islão ganharam muita popularidade. Lembra alguém? Curiosamente nas eleições europeias de 2019 o PVV descera a votação e só elegeu um depiutado. Os Trabalhista foram 1ºs com 19% dos votos, os Liberais-Democratas tiveram 14%, mais 2 partidos do centro-direita tiveram votos > 10%, idem os "Verdes". Nas Legislativas de 2023 Geert Wilders ganhou com 23% dos votos, à frente duma coligação Trabalhistas-Verdes (15%) e dos Liberias-Democratas (15%). Estamos em Maio de 2024 e os Países Baixos ainda não têm novo Primeiro-Ministro pois as negociações entre partidos onde o 1º votado, o PVV está incluido, ainda não acabaram. Não está decidido o próximo PM mas haverá consenso sobre um programa mínimo comum... Como PM demissionário está há mais de meio ano Mark Rutte, um Liberal-Democrata que governou com apoio parlamentar do PVV de 2010 a 2012 e o inimigo derrotado da implementação do PRR Europeu. Democracia 3 Populismo 2.

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A Bélgica é aquele país que diz que existe mas ninguém acredita que é assim. Dividido em duas metades, a Valónia e a Flandres mais o enclave da capital Bruxelas e uma pequena periferia Germanófila, cada metade é um mundo político à parte que se obrigam a constituir, com dificuldade, um governo federal. E, porém, não têm novas eleições desde 2019! Sim, as últimas legislativas coincidiram com as últimas europeias. Na Flandres, o Vlaams Belang (ou "Interesse Flamengo" - de extrema-direita xenófoba) é 2º atrás da Nova Aliança Flamenga, um partido também independentista mas de direita moderada. A Valónia é dominada tradicionalmente pelos Socialistas, com os Ecologistas em 2º. Nenhum dos partidos que ficaram nas duas 1ªs posições na Flandres participam no governo que se criou no final de 2020, depois de mais de 1 ano de negociações, e que ainda se mantém. O governo assenta numa coligação de SETE, repito, SETE partidos, 4 flamengos e 3 valões, a saber, os dois ecologistas de cada lado, os 2 liberais e os 2 socialistas de cada lado, e os Cristãos-Democratas flamengos. Que metade da população flamenga (60% do país) não esteja representada no governo obriga a coragem democrática. O cordão sanitário ao redor do Vlaams Belang mantém-se. Veremos... Democracia 4 Populismo 2.

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Antes de nos dirigirmos para norte, viajemos até a Áustria.A Áustria é um país curioso. Tendo participado no III Reich pelo Anschluss, no pós-guerra assumiu uma posição neutral como ex-país invadido, fazendo esquecer que Hitler nascera numa pequena vila austríaca. A política austríaca navegou sempre então entre um Partido Popular de centro-direita e um Partido Social-Democrata. Porém, nos anos oitenta do século passado, um novo partido, o FPO, dito Partido da Liberdade, começou a ganhar notoriedade sob a liderança de Jorg Haider. A sua plataforma política era a do costume, anti-islão, anti-imigração, etc. Ganhou votos e votos e em 1999 entrou num governo com os Populares, criando "sensação" na União Europeia. A coisa foi-se "normalizando" e os Populares resistiram durante estes anos ao FPO quer devido à instabilidade performativa de Haider, quer pela adopção das políticas populistas pelo FPO, quer ainda por escândalos sucessivos com gente do FPO. Justamente semanas antes das Europeias de 2019 um novo escândalo se abatera sobre o FPO. Estando outra vez no governo o mesmo caiu por inciativa do Partido Popular, que foi recompensado nas Europeias e nas Legislativas que decorreram dois meses depois, com 34 e 37% dos votos, respectivamente. Os Sociasi-Democratas obtiveram 23 e 21%, o fpo 17 e 16% e os Verdes 14 e 13%. Os Populares governam em coligação com os Verdes desde 2019 até hoje! Democracia 5 Populismo 2.

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Agora vamos até à Dinamarca. A Dinamarca já tecve um partido populista muito influente, o "Partido do Povo" (DF). cujas políticas nos abstemos de referir por serem facilmente adivinháveis. Chegou a ter votações acima de 20%e apoiou o goerno dinamrquês, formalmente de centro-direita, de 2011 a 2011, impondo algumas das suas políticas anti-imigração. No entanto nunca entrou nominalmente em nenhum governo. A adopção das políticas "xenófobas" do DF pelos restantes partidos do arco governativo, polémica em Bruxelas mas não em Copenhaga, acabou por esvaziar o apoio popular do partido. Nas Europeias só teve 10% de votos e nas últimas Legislativas, em 2022, pouco mais de 2%. Em 2022 os Sociasi-Democratas ganharam a primazia com 27% dos votos e encetaram um governo de coligação com os perdedores e ex-governantes Liberais. Mas as políticas anit-imigração ficaram onde estavam.

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A Suécia onde Olof Palme governou e foi assassinado está n uma fase da vida política similar à da Dinamarca 10 a 15 anos antes. Aqui os populistas chamam-se de "Democratas" ganharam 15% dos votos nas Europeias de 2019 e 20% dos votos nas Legislativas de 2022. Os Sociais Democratas tinham tido os primeiros em 2019 (23%) e mais ainda em 2022 (30%) mas foram desapossados do poder pelo 3º partido, os Moderados, centrista, que engendrou uma coligação que com o apoio parlamentar dos "Democratas" hoje governa a Suécia. Os "Democratas" são, para variar, anti-imigração, etc., com uma plataforma económica populista com um apelo transversal. Mas parte das políticas anti-imigração já foram implementadas pelos Sociasi-Democratas enquanto no governo. Democracia 5 Populismo 3.

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E terminamos na Finlândia. Onde um partido populista chamado "dos Finlandeses" (antes chamava-se "dos Verdaeiros Finlandeses") tem dado que falar. A política finlandesa tem tido também o seu partido Social-Democrata a alternar com um partido de direita tradicional chamado Coligação nacional, tendo em adição um patrtido Centrista para compor o ramalhete. Existe também uma opção Verde. Mas falemos dos "Finlandeses". Com origens ruralistas foi fundado em 1995 e cresceu bastante nos últimos anos, Participou  temporariamente num governo em 2015, uma coligação de direita. Nas eleições de 2019 em 1ª aparecia um partido de centro-direita, a Coligação Nacional (20%9, depois os Verdes com 16%, os Sociais-Democratas com 14%, os "Finlandeses" com 13% e o partido Centrista também com 13%. Mas as legislativas de um mês antes dera a (magra) vitória aos Sociais Democratas, com os "Finlandeses" em 2º lugar. Criou-se uma coligação de centro-esquerda que evitou o apoio dos "Finalandeses" e que durou até 2023. A maior parte destes 4 anos a Primeira-Ministra foi Sanna Marin, atacada por algumas fotografias e vídeos onde se notava a sua jovem idade e o paradoxal conservadorismo da Finlândia. Em 2023 o país virou à direita,  a Colgiação Nacional obtendo 20,8% dos votos e os "Finlandeses" 20,1% dos votos. Os Sociais-Democratas tiverma 19,9%, até subindo um pouco mas, por voto útil, absorveram muito voto da esquerda e o novo, e actual, governo ficou a ser de direita, com os "Finlandeses" bem dentro do arco governativo.  Democracia 5 Populismo 4.

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Os partidos populistas partilham a mesma cartilha. A política anti-imigração e anti-islâmica é omnipresente. Economicamente são conservadores e proteccionistas, portanto eurocépticos. Ao nível fiscal defendem a diminuição dos impostos mas mantendo-os  progressivos para agradar às classes mais baixas. 

Então e "Il Sorpasso"? Vendo caso a caso, na Itália já aconteceu e em França também. Em Espanha é improvável, porque o PP hoje pouco se diferencia do Vox. E na Alemanha, exceptuando a zona Leste, também não. Nos Países Baixos "Il Sorpasso" já está aí, na Bélgica o regionalismo congelou a situação por agora. Na Áustria os escândalos reverteram o dito, na Dinamarca também. Na Suécia e na Finlândia o futuro dirá se vão repetir o que aconteceu na Dinamarca, revertendo os respectivos "Sorpassos". De qualquer forma o mapa politico destes países incorporou no seu discurso muita da temática populista. 

Portanto...

sexta-feira, 3 de maio de 2024

Amanhã começa o Giro.


Amanhã começa a aventura de Tadej Pogacar, ciclista esloveno de 25 anos, de tentar fazer a dupla Giro-Tour, não conseguida desde Pantani em 1998.

Foi o italiano Fausto Coppi que criou o mito da dupla Giro-Tour como o feito máximo que se podia esperar de um ciclista. Ele conseguiu-o em 1949 e 1952. Conseguiu-o Jacques Anquetil em 1964, após várias tentativas. Merckx fê-lo em 1970, 72 e 74. Bernard Hinault assinou o ponto em 1982 e, às custas de Greg LeMond, em 1985. Miguel Indurain também fez a dobradinha duas vezes, em 1992 e 1993. O Irlandês Stephen Roche conseguira-o em 1987, adicionando ao duplo feito o ter sido Campão do Mundo nesse mesmo ano, uma tripla só igualada por Merckx, antes, em 74.

Todos estes feitos tiveram a sua história, nem sempre linear. Por exemplo, o ano de 1974, o de maiores conquistas para Eddy Merckx, não foi o ano de maior fortaleza do "Canibal" no Tour. Os melhores adversários estavam lesionados. Fausto Coppi na realidade só correu três Tours, ganhando dois. No outro, em 51, chorava ainda a morte em corrida do seu irmão Serse. E a polémica à volta da carreira de Marco Pantani não é para aqui chamada.

Em 2018 aconteceu a tentativa mais séria para repetir o feito, neste tempos do "ciclismo moderno" com passaporte biológico, etc: Chris Froome venceu o Giro e foi terceiro no Tour. Por imitação, nada mais, Tom Dumoulin foi segundo em ambas as corridas. Três anos antes Alberto Contador ganhara o Giro para só fazer quinto no Tour.

Dizer como por aí se diz que a competição no Giro contra Pogacar é fraca portanto a coisa vai ser fácil é esquecer que esta será apenas a primeira-mão desta final para a história. E que na estrada (no Mortirolo, no Stelvio...) até parece que nada de imprevisto pode acontecer. 

Veremos.


quinta-feira, 2 de maio de 2024

A Quimioterapia.

 "Mas tu sabes que não tinhas indicação para isso!"

Vou lembrar. Aconteceu em 2004. E vou confessar. Estava a tomar banho e, ao urinar, saiu sangue. É a vida uma sucessão de divisórias, uns dum lado, os outros do outro e eu admito, urino no duche. E, como todos os doentes, só fiquei preocupado da segunda vez que aconteceu. Médico de doenças médicas, falei com o Carlos, Nefrologista e que tinha sido meu interno. Foi o Froufe que me fez a ecografia e que, engasgado, inventou um relatório. Nos casamentos e nas cirurgias o importante é saber a quem nos entregamos. Não tive dúvidas e nisto tive sorte. Já com data marcada (internamento e bloco) desloquei-me a Vidago, decorriam umas jornadas médicas, e tinha um compromisso por cumprir, a apresentação pública dum trabalho no qual participara. Era para mim importante ir, para honrar o que este trabalho representava: uma tentativa de refazer uma relação mestre-discípulo onde eu era o discípulo. A doença ditaria o fim das tentativas. Foi a minha última apresentação naquela área de interesse. Conduzi até lá e de lá voltei para casa no mesmo dia. Fiz a apresentação, partilhei a notícia com o meu mestre e amigo, despedi-me verdadeiramente dele nesse dia. Em 2004 ainda não havia auto-estrada entre Vila Real e Chaves e para chegar a Vila Real fazia-se a IP-4, inaugurada no fim de 1988 por Aníbal Cavaco Silva. Perto de Vila Pouca de Aguiar, acho que antes, a Nacional 2 tem uma recta que fica num vale alto, muros a delinear velhos terrenos de cultivo. Ao voltar parei o carro uns dez minutos. Por ser ao voltar será "depois" de Vila Pouca.  Disse dez minutos mas o que eu fiz ali foi parar um  pouco o tempo, o meu tempo. Havia uma ordem, uma harmonia naqueles muros, no esparso verde que em Trás-os Montes não inunda tudo como no Minho. O verde sabia o seu lugar. Tudo ali sabia o seu lugar. E eu? Tirei um par de fotografias e só parei em Matosinhos onde então vivia. 

Depois da cirurgia foi-me administrada quimioterapia intra-vesical, primeiro semanal, depois mensal. A decisão foi de quem me operou. Nem pensei em perguntar o racional para o meu tratamento. Como disse, é uma sorte não ter dúvidas quando estamos em jogo. Confiar é ouro puro, na saúde e na doença. 

Mas alguém com a minha profissão e a trabalhar no meu hospital e, portanto, com acesso ao meu processo clínico perguntou-me um dia (parecia interessada): "Como estás?" E logo a seguir disse: "Mas tu sabes que não tinhas indicação para quimioterapia!"