segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Badakhshan

 


O Badakhshan é a província mais oriental do Afeganistão. São 44059 km2 e pouco mais de um milhão de habitantes. É a província mais montanhosa, a mais remota. Parte da província corresponde aquele bico comprido que foi criado no séc XIX como buffer entre a Rússia (hoje o Tajikistão) e o Império Britânico (hoje o Pakistâo). O mesmo bico termina em 90 km de uma fronteira agreste com um terceiro império, a China. O Badakhshan antigamente era entendido como uma região bem maior, compreendendo a parte leste mais rugosa do Tajikistão e umas periferias da China e do Paquistão, tudo isto correspondendo ao todo que é o maciço Pamir.

Nesta província parece que o Afeganistão acaba. Será aqui que ele começa? Só 18% da popiulação está acima da linha de pobreza. Só 5% das mulheres sabem ler e escrever.

Eis doze coisas sobre o Badakhshan.




1 - O Badakhshan antigo era portanto bem maior do que esta província do Afeganistão. Correspondia grosso modo ao todo do maciço do Pamir. Mas o que é o Pamir? Dito o "Tecto do Mundo", porque nele convergem as grandes cadeias que desenham a Ásia Central: O Hindu Kush, O Karakorum, Kunlun, os Himalaias, Tian Shan. Se não me engano, aqui compreendidas todas as altitudes acima dos 7000 metros do planeta Terra. É o "Pamir Knot". Por outro lado a palavra "Pamir" parece referir-se aos longos e largos vales que caracterizam esta região, vales altíssimos, zonas de preciosa pastagem, caminhos de passagem. Há o Grande e o Pequeno Pamir… Por outro lado existem os povos Pamir, definidos distrito a distrito, quase vale a vale. Uma família de línguas diferente, curiosamente aparentada ao pashto.


2 - A maior parte da população é Muçulmana Xiita Ismaelita, fazendo isto parte da identidade do Pamirs. Assim sendo a leitura dos procedimentos adequados ao dia-a-dia dentro do cânone religioso é mais permissiva, a mulher mais presente, mais visível. Muitas das fotografias da mulher afegã onde se vê a cara são de alguma destas minorias, menos sensíveis à proibição da visão da mulher.


3 - Esta província é riquíssima em pedras semi-preciosas. O melhor lápis lazuli do mundo é aqui extraído desde sempre (neste caso o "desde sempre" é há dez mil anos, parece), em Sar-e-Sang, nas encostas do Hindu Kush. As melhores turmalinas azuis são obtidas ali perto. Existe uma pedra semi-preciosa que se chama afganite. O acesso a estas riquezas condicionou sempre o interesse de muitos senhores, senhores da guerra. Os talibã tiveram-nas sempre como objectivo, falhado na primeira leva, conseguido agora em 2021. O governo central e as populações locais nunca obtiveram grande benefício desta riqueza imensa.





4 - O corredor Wakhan, o tal "bico para leste", é o fenómeno geográfico que mais chama a atenção nesta província. A sua origem está explicada acima. A fronteira sul é o Hindu Kush e o início do Karakorum. A leste está a China. A norte o Tajikistão, com a fronteira a cruzar o planalto Pamir e depois em direcção a oeste a encontrar o rio Panj, que depois no seu deambular para norte desenha grande parte do resto da província de Badakhshan. É a mais desolada das terras e a mais paradisíaca das terras. Já foi acessível a algum turismo agreste. Em 2014 todo o distrito foi constituido como Parque Nacional. Não sei o que isso significará no Afeganistão. Poderá ajudar à conservação do Leopardo-das-Neves, do Urso Castanho, do Lince, do Lobo, do Carneiro de Marco Polo. Os Wakhi são a população predominante aqui, embora a sua presença ultrapasse as fronteiras referidas. Serão e não serão tajiks, as opiniões dividem-se. Têm língua própria, serão umas dezenas de milhar. São predominantemente nómadas e podem ter uma residência de verão e outra de inverno. Na zona leste aparecem também Quirgizes, nómadas também. O corredor Wakhan é percorrido por uma estrada própria só para todo-terrenos, e apenas parcialmente. A comunicação com os países vizinhos faz-se por difíceis passagens abertas quase todas acima dos 4000m de altitude, abertas só no verão e acessíveis a poucos veículos, animais ou a pé. O Nova Rota da Seda que a China quer inventar não vai conseguir passar por aqui, embora, em sentido contrário, por aqui andaram Marco Polo e o português Bento de Goes.



5 - Qari Fasihuddin é o Chefe das Forças Talibã e é originário de Badakhshan. Dizem dele ser Tajik. Dado como morto várias vezes nos últimos anos, foi o responsável pela invasão com sucesso do Vale de Panjshir, agora já em Setembro e antes a rápida conquista das províncias do norte do Afeganistão, isto em colaboração aparente com Muhammad Sharifov, o chefe dum grupo extremista tajik que atravessou a fronteira e se pôs ao serviço dos Talibã. O governo do Tajikistão está inquieto. Qari Fasihuddin aparecia num canal de televisão Pakistanês como o "Conquistador dos Cinco Leões", sendo "cinco leões" o significado da palavra persa "Panjshir". Quem habita o vale de Panjshir? Tajikes.



6 - O Broghil Pass liga à altitude (relativamente baixa) de 3798m o corredor Wakhan com os terrenos altos do Pakistão a sul. Segundo um projecto da National Geographic, o Genographic Project, há 40000 anos uma dezena ou pouco mais de humanos passou por Boghril e depois derivou para oeste, portando uma determinada mutação que, evoluida, hoje se apresenta em quase toda a população da Europa Ocidental. Por ali começámos, Ocidente.



7 - O Dorah Pass fica na parte sul da província e fica a mais de 4300m de altitude. É uma estrada não pavimentada acessível no verão apenas a todos-terreno. do outro lado estã também o Pakistão e foi nos anos oitenta e noventa a principal porta de entrada de armas para os mujaheddin.



8 - Os rios de Badakhshan dão o grosso da água ao rio mais importante da Ásia Central, o Amu Darya, o Oxus descrito pelos gregos. A água imensa do Pamir, que no lado do Tajikistão possui os glaciares mais extensos do mundo fora dos polos, não consegue porém chegar ao seu destino. O Amu Darya desaguava antigamente na margem sul do Mar de Aral. Só que a parte sul do Mar de Aral já não existe. O Amu Darya, ressequido pelas plantações de algodão criadas nos tempos soviéticos morre nos desertos do Uzbequistão, depois de ter desenhado a fronteira entre o Afeganistão e o Tajiquistão, o Uzbequistão e o Turcomenistão.



9 - A província de Badakhshan, lembro, é a parte que restou para o Afeganistão de uma entidade étnica bem maior. Que ultrapassa fronteiras montanhosas bem difíceis como o Pakistão e a China. Com o Tajikistão a fronteira é bem mais porosa e, durante umas centenas de kms, é um rio, o rio Panj, que depois vai ser o Amu Darya. Não há muitas pontes ainda a atravessar este rio mas onde as há, às vezes ligando povoações irmãs contendo o mesmo povo, a fronteira pode ou não estar aberta, consoante a estabilidade ou instabilidade guerreira. Fechada a fronteira a passagem será feita de uma outra maneira. Vidé Ishkashim, na curva para norte do rio Panj, do outro lado uma terra com exactamente o mesmo nome, uma ponte só construida em 2006. Para norte o rio Panj separa o distrito Shighnan no Afeganistão do distrito Shughnon no Tajikistão, e logo acima o subdistrito Rushan tem um com nome exactamente igual do outro lado. Gente a mesma, línguas da família Pamir, a cidade mais importante Khogur, do outro lado da fronteira, do outro lado do rio.





10 - A capital do Badakhshan é Fayzabad, uma cidade que fica a meio da zona norte da província, apenas a 1250 m de altitude, logo à saída das grandes montanhas. Fica junto a um rio e tem um pequeno aeroporto e, dizem, uma universidade. É o centro comercial desta parte ocidental do Pamir, no interface entre a montanha e a estepe. Ficou ligada a Kabul por estrada alcatroada apenas há 2-3 anos. Tem a sua história. Aqui esteve uma relíquia muçulmana, o "Manto de Maomé", que hoje é venerado em Kandahar. Assistiu a algumas manifestações anti-talibã nos últimos dias, não se sabe se houve mortos.



11 - O Afeganistão produz 3/4 do ópio mundial. É também talvez o país com mais toxicodependentes, percentualmente 10% ou mais da população total. Assim será em Badakhshan. Badakhshan tem também uma grande produção de papoilas. Aqui não há heroína como em Kabul. O ópio é fumado ou mastigado. Uma parte importante dos consumidores são mulheres. O opio será o único analgésico e calmante disponível, depois vem a adição. Embora relativamente barato para os padrões ocidentais, o consumo do ópio leva à venda dos animais, da mobília, de casas, das terras. Há bebés que nascem dependentes, pelo consumo das mães grávidas. Ou então as mães sopram o fumo para a cara dos mais pequenos, para os acalmar, não tendo outros meios, sem comida, sem leite, sem nada.


12 - O Noshaq é o ponto mais alto do Afeganistão, com 7492m e fica no Hindu Kush, na fronteira sul da província com o Pakistão. É o pico acima de 7000m mais a oeste do planeta Terra. Em 2016 foi escalado pela primeira vez por uma mulher afegã montanhista. Numa expedição de 2018 uma das mulheres afegãs a subir tinha 18 anos. Suponho que fez a escalada sem burka nem niqab.

 

 

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