sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Da Medicina que vai acontecer.

Lembro-me do tempo em que havia médicos a mais em Espanha. Estou a falar de há mais de vinte anos. Conheci numa caminhada perto da Coruña uma médica espanhola bem simpática, tinha uma filha da mesma idade da minha. Tinha apenas a licenciatura, não conseguira diferenciação adicional. Trabalhava apenas em contratos curtos a fazer substituições no sul de Espanha. E levava assim a vida. Conhece-se bem quando falamos com um médico. Há um jargão, uns termos que cortam caminho que identificam a classe. Ela não falava como médica, nâo pensava como médica, presa a uma vida estúpida de contrato em contrato, uma criança para sustentar. Conversei sobre a hipótese dela vir trabalhar para Portugal, há mais de vinte anos havia muitos médicos espanhóis a trabalhar cá, a fazer internatos, a suprir inúmeras faltas. Adivinhei que ela se ia adaptar mal. Julgo que nunca deu o salto. 

"Sonhei" vai para uns dias que em 2030-2035, "numa rotunda perto de si", umas dezenas de médicos sem emprego e acolhidos a tendas e roulottes vão estar à espera de que um encarregado chegue e chame: "Hoje preciso de quatro, repito, quatro, mais não, daqueles que cortam e cosem, outros não, quatro, só quero quatro, tu e tu, mais dois, agora tu, mais um, parem senão vou-me embora, outro!" E os médicos desempregados, dezenas deles, a saírem aos saltos das tendas e das roulottes a gritar: "eu corto, eu corto, eu coso, eu coso!" Como diria uma publicidade conhecida, vai acontecer.

Portugal é o terceiro país da União Europeia com mais médicos por 100000 habitantes, 497 vs uma média de 360 (Pordata 2019).

Sem comentários:

Enviar um comentário