sábado, 10 de abril de 2021

Do Colonialismo - 2.



Gomes Eanes de Zurara descreve na "Crónica da Guiné" uma das primeiras (senão a primeira das) vendas de escravos no continente europeu, acontecida em Lagos e presidida pelo Infante D.Henrique, que ficou com um quinto dos vendidos. A venda aconteceu no mercado de escravos de Lagos, hoje um Núcleo Museológico nomeado pela UNESCO como "celebrando a dignidade humana"

Num quadro anónimo e que se tornou muito conhecido na exposição "Lisboa, Cidade Global", e que mostra cenas do quotidiano na zona do Chafariz d'El-Rei em Lisboa no séc. XVI, aparece um negro a cavalo com o hábito da Ordem de Santiago. Exemplo da multiculturalidade e tolerância da Lisboa de então? Não senhor, era caso único, era João de Sá, o Panasco, bobo de D.João III alforriado e promovido ao dito hábito.

O descobrir da costa ocidental africana teve um objectivo comercial e de empresa, e um dos produtos obtidos e comerciados, portanto ainda no século XV, foram escravos. Houve escravos a cultivar terras em Portugal e a cultura da cana-do-açucar na Madeira, num ensaio do que iria acontecer no Brasil, usou abundantemente a mão-de-obra escrava. A escravatura nos séculos XV-XVI era pensada de uma forma bastante diferente. A escravatura não era só negra mas também mourisca e, a partir do século XVI, asiática. Camões terá tido a sua "Bárbara Escrava". Em Portugal Continental terão existido, até a sua abolição - no Continente - pelo Marquês de Pombal, algumas centenas de milhar de escravos. Talvez Pombal se tenha inspirado no Code Noir do ministro Colbert, que em 1685 tinha reafirmado que "Tout esclave qui met le pied sur le sol do royaume ( français ) est libre".Nas colónias das Antilhas Francesas a história era outra... Mas a abolição do Marquês de Pombal da escravatura foi "de novo", não emancipou ninguém. Complementou-a com uma "Lei de Ventre Livre" para os filhos de escravos já nascerem livres. Depois da independência do Brasil (1822) muitos portugueses vieram para a metrópole e tiveram isenção por lei de emancipação dos escravos que trouxeram.

Quem hoje pensa Portugal como um país que aconteceu "com" escravos? E, porém, foi isto algo mais do que um mal de um determinado tempo? Ou apenas isso, um exotismo português, um país que foi deixando de ser bem bem europeu com o correr dos séculos e assim se foi deixando ficar, diferente, vagamente tropical, disfarçado de rico porque com escravos, até o Marquês de Pombal nos desmascarar? Já o Padre António Vieira nos tinha chamado "os cafres da Europa", atrasados, incultos, um comentário racista, claro, mas enquadrável… no tempo em que escreveu. O Padre António Vieira que defendeu com unhas e dentes a liberdade dos índios aceitando a escravatura negra como um mal - afirmando que o era - mas necessário. Abandonando o corpo dos negros, os "filhos de Caím", à escravatura, queria resgatar as suas almas. O Padre António Vieira, um dos maiores prosadores em português de sempre e que era neto de mulata e bisneto de africana cativa e trazida para Portugal.



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