quinta-feira, 17 de março de 2022

As Minhas Leituras. 21-30.

 Causa das Coisas, A - Miguel Esteves Cardoso.

O humor português actual nasceu de dois pais: Herman José e Miguel Esteves Cardoso. É difícil descrever hoje a importância que as crónicas do Miguel no Expresso tiveram no seu tempo. E que vieram na sequência de uns primeiros escritos sobre música que ele enviava do Reino Unido onde estava a estudar. Durutti Column, Virginia Astley, A Certain Ratio, Comsat Angles, etc., etc., tudo o Miguel apresentou à plebe portuguesa. Depois veio para Portugal e começou a escrever sobre nós, e assim se fêz português, ele que era um menino de educação oh! tão inglesa. A Causa das Coisas colige a primeira fatia dessas crónicas, a melhor. Retrato de um tempo, não perde porém frescura. "Ninguém sabe nem como nem quando a Humanidade começou a conversar. Há várias teorias, mas a maioria delas é só conversa. / Sabe-se, porém, uma coisa muito mais importante e, para nós, portugueses, motivo de orgulho e prestígio internacional. É que foi aqui, em pleno Portugal Continental, que dois compatriotas nossos inventaram a arte de desconversar." 


Cecil Essentials of Internal Medicine, 4th Ed. - Andreoli et al.

 A idade da sageza serve para restringir a leitura para exames. Este livro foi a minha base para o exame de saída da Especialidade de Medicina Interna. Correu bem. Andreoli, amigo, um abraço! O exame foi uma história engraçada.. mas isso é outra história!


Cem Obras Primas da Pintura Europeia - Redacção de Ed. Verbo.

A este livrinho devo a minha paixão pela pintura, essa arte quase extinta. Conheço de cor todos os quadros lá reproduzidos, um Cristo de Cimabue o primeiro, o último um entramado de Maria Helena Vieira da Silva chamado "Au Four et à Mesure". Mas a obra que mais me fascinou foi "Am Nil", de Paul Klee. A sua simplicidade interrogou-me, até hoje. Um amor que depois se criou, cresceu e hoje é para a vida, o meu por Paul Klee.

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Cico Queda Livre - E. M. Melo e Castro

No final dos anos cinquenta do século passado este poeta, o pai da cantora Geninha Melo e Castro, esteve na primeira linha de uma coisa chamada Poesia Experimental. Herberto Helder partiu daqui e a geração de setenta, a geração do "Cartucho", abominava esta poesia e estes anos. O livro em questão desenvolve mal. E Melo e Castro escreveu muita má poesia, é verdade.Mas o primeiro poema, "Refutação Pacífica da Beleza" ressoou durante anos. "Desde que há mais do que um homem / o Belo já não chega. / As mãos são supérfluas / desde que há mais do que um homem no mundo. / Foi por isso que Abel matou Caim matou Abel / e o fogo invisível // queimou o espírito novo. / Se me olhas nos olhos / não me olhas - devoras-me, meu irmão. / Se penso em ti, destruo-te. / Para que a pura beleza em movimento possa reinar / aprendemos as guerras. / Mas na paz a beleza não chega. / E necessário inventar outra forma de destruição." 


Circo Galiano, O - Enid Blyton

Li tudo o que havia de Enid Blyton à minha disposição na Biblioteca da Câmara de Ovar. Cresci com ela, pois ela tinha leituras para diferentes idades. Este livro, a história de uma família que é adoptada por um circo, tem para mim uma aura de uma felicidade imensa que afinal era possível, numa vida de alegria e festa, pois onde mais ter assim uma vida do que num circo? Depois aprendi que a vida não é isto e hoje ainda me custa.


Colher na Boca, A - Herberto Helder

Este livro foi uma revolução na poesia portuguesa. A sua publicação correspondeu à confirmação da (primeira) revolução que tinha sido a publicação do Poema "O Amor em Visita" em 1958. Repito o que todos dizem, Herberto Helder foi o mais eficaz contraponto no século XX à poesia de Fernando Pessoa. Uma poesia pesada, difícil de seguir, na realidade sem grandes discípulos. Os anos setenta fugiram dele, houve uma famosa carta de Joaquim Manuel Magalhães onde este dizia que o amor e o fascínio era tão grande que a única forma de subsistir era escrever "contra Herberto Helder". Fica esta noção simples: Herberto Helder foi o outro grande monstro da poesia portuguesa no séc. XX. "Estou deitado no meu poema. Estou universalmente só, / deitado de costas, com o nariz que aspira, / a boca que emudece, /o sexo negro no seu quieto pensamento. / Batem, sobem, abrem, fecham, / gritam à volta da minha carne que é a complicada carne / do poema. (...)". É o pai do comentador Daniel Oliveira. Acontece aos melhores.


Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos - Olga Tokarczuk

Escolhi este livro da obra de Olga Tokarczuk porque foi o primeiro que li. Toda a sua obra é excelente e é dos escritores actuais aquele de que eu espero com mais ansiedade a tradução das sua obra mais recente (ela é polaca e eu não leio polaco e não a quero ler em inglês). É também um livro um pouco atípico em relação ao resto da sua obra, uma espécie de thriller ecológico que glosa com várias frentes e não se compromete com nenhuma. Tokarczuk é mesmo uma escritora desalinhada! O livro começa assim: "Já atingi uma idade e, além disso, um estado em que, antes de me deitar, devia lavar muito bem os pés, no caso de uma ambulância ter de me levar durante a Noite.".


D. Afonso Henriques - José Mattoso

Muito boa coisa escreveu o nosso melhor historiador. Mas o livro que eu ponho na primeira linha é esta biografia do nosso primeiro rei, a primeira de uma simpática colecção real de que eu escolhi alguns outros bons volumes. E saí aliviado da leitura deste livro. José Mattoso, com um cuidado cirúrgicomas também admiração apresenta ao mundo a História de um Homem que a ferro e fogo e malícia e astúcia e muita teimosia criou um país, porque um reino só seu queria.  


Danúbio - Claudio Magris

Claudio Magris é um intelectual italiano nascido em Trieste, e nunca o local de nascimento terá marcado mais a história de alguém, Trieste uma cidade encravada entre a Itália e o Mundo Antigo, nomeadamente o mundo Austro-Húngaro. Na wikipedia portuguesa aparece como "germanista" e haverá razão para este epíteto. A sua obra mais imortante é esta, "Danúbio", onde Magris conta uma sua viagem das nascentes do rio Danúbio até à sua foz no Mar Negro, e, enquanto isso, escrevendo/falando sobre as mil e uma histórias que cada local lhe oferecem. A Europa Central toda, em suma.


Demasiada Felicidade - Alice Munro.

Muito antes de Alice Munro ter recebido o Prémio Nobel já ela era apontada como a melhor escritora de contos /ficção curta viva.Li dela também o romance autobiográfico (da família que emigrou para o Canadá) "A Vista de Castle Rock" e também é muito bom. O título "Demasiada Felicidade", título de um dos contos nesta colectânea de, resume a angústia fina que toda a escrita de Munro oferece: porque nunca sabemos se em determinado momento uma qualquer "felicidade" que nos esteja a acontecer não poderá ser... "demasiada".  "Morreu pelas quatro. A autópsia demonstrou que a pneumonia tinha destroçado por completo os pulmões e que o coração apresentava doença que arrastaria desde há vários anos. Como todo o mundo esperava, o cérebro tinha um grande tamanho.".












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