domingo, 19 de novembro de 2023

Gaza.. 15 considerações sobre o (muito) antes.

 1 - A expressão "semita" e "anti-semita" é curiosa. Judeus e árabes são ambos povos semitas. Portanto anti-semitas são judeus e árabes quando se confrontam. 

2 - Os judeus não são originários da Judeia nem da Samaria. Não se sabe bem. Serão dali perto porém, algures no Médio Oriente. O Velho Testamento fala da conquista de Jericó como o acontecimento fundador da presença israelita dominante nas terras de Canaã. As trombetas fizeram as paredes cair, a conquista sucedeu-se bem como o morticínio dos habitantes da cidade. Parece que a Bíblia disz que só uma família foi poupada. O Velho Testamento não é um livro fraterno nem pacífico.

3 - As desventuras dos reinos Israelitas ao longo dos séculos terminaram com a destruição do Templo sob o jugo Romano. A diáspora judaica foi acontecendo e acontecendo. 

4 - Quando a epifania maometana aconteceu no ´sec. VII não é certo que a população judaica na Palestina fosse já maioritária. A partir daí e até ao início do séc. XX (1300 anos portanto), a Palestina foi sempre uma terra com domínio árabe/muçulmano, sob as suas variadas configurações, com a capital ora em Damasco ora em Bagdade ora finalmente em Istanbul.

5 - Houve sim um intervalo instável de pouco mais de um século com a constituição dos Reinos Cristãos criados pelas Cruzadas. Reinos cristãos e não judaicos. Os judeus (ou israelitas, vamos considerar estas palavras como equivalentes) eram e continuaram a ser minoritários na Palestina e terras em redor. Dentro por ex. do Império Otomano enquanto religião monoteísta eram classificados como "Povos do Livro" (como os cristãos) obtendo alguma liberdade pessoal e religiosa e protecção, com algumas contrapartidas. Os cristãos porém acabaram por ser os grandes inimigos, com a força cada vez maior dos vários potentados europeus. O ponto de viragem foi o falhado cerco a Viena, o último, em 1683. O primeiro tinha acontecido em 1529 da mão de Solimão, o Magnífico.

6 - A perseguição aos judeus foi sobretudo um fenómeno europeu, não árabe. Os judeus sofreram ao longo dos séculos milhares e milhares da mortes às mãos dos europeus, sobretudo nos territórios católicos e ortodoxos, a sul e a leste. Cumulativamente milhões e milhões. Mas, porém, foram judeus muitos dos intelectuais europeus, desde Baruch Espisona a Karl Marx, Franz Kafka, Gustav Mahler,  Albert Einstein. E depois aconteceu o Holocausto.  

7 - Os Nazis parasitaram um ódio subliminar que era EUROPEU, o ódio ao povo que "matara Jesus", um povo que paradoxalmente tinha algum sucesso nos negócio, na sociedade, na cultura, e criaram um o maior monstro de extermínio da História.

8  - o séc. XIX foi o século dos nacionalismos na Europa: o italiano, o checo, o húngaro, o polaco, etc. Foi o séc. XIX que assistiu ao nascimento do Sionismo. O que era o Sionismo? A vontade de criar uma pátria para os Judeus, todos os Judeus. Sendo a definição de um povo pela sua religião aqui quase perfeita. Finalmente os judeus começavam a ficar cansados de viver em guetos (como viviam em muitas cidade europeias de bom nome), de terem leis especiais só para eles, de serem de vez em quando objecto de pogroms, tendo como resultado serem mortos. Ser Judeu na Europa era viver com receio, não levantar a voz, acomodar-se a regras alheias. Os Sionista decidiram que isto devia acabar. 

9 - Homens do século do racionalismo decidiram que a pátria dos jdeus devia ser nas suas terras bíblicas, a Judeia e a Samaria. Onde mais? O século XIX começou a assistir a uma emigração progressiva para a Palestina de judeus. Ota comprando terras ora estabelecendo terras novas onde antes não exitiam. Telaviv, por ex., foi criada em 1909 logo a norte da cidade então árabe de Jafa. Um punhado de judeus ricos, eg, os Rotschilld, subvencionou fortemente esta emigração, que acelerou com o virar do século. Foi criada a Agência Judaica que enviava para a Palestina homens, mulheres, materiais de construção, máquinas, dinheiro e... armas.

10 - Com o fim da 1ª Grande Guerra caiu o Império Otomano.  O Médio Oriente foi dividido pela Sociedade das Nações, o antecessor da ONU, em mandatos. O Reino Unido recebeu o Iraque, a Jordânia e a Palestina, a França a Síria e o Líbano. Em 1917 o lobbying sionista conseguiu da parte do governo britânico a Declaração Balfour que propunha a criação de uma "pátria para o povo judeu" na Palestina, embora essa criação não devesse "prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas existentes na Palestina". Em 1917 os judeus não chegavam a 10% da população na Palestina. Os outros, mais de 90% eram assim definidos como os "não judeus". 

11 - Os árabes e os palestinianos árabes demoraram a perceber o alcance da Declaração Balfour. Perceberam sim que a imigração judaica estava a acelerar. E, juntando 2+2, revoltaram-se nos anos 30. A revolta palestiniana nos anos 30 contra o mandato inglês foi severamente reprimida e decapitou os palestinianos das suas chefias. Por outro lado os judeus começavam a armar-se e a entrar na refrega: os judeus bem sabiam que em paz a pátria judaica nunca iria acontecer.

12 - Subjugados os palestinianos os ingleses começaram a medir o efeito que a sua política pro-judaica estava a ter no seu relacionamento com os ojutros, nascentes, países ´árabes. Restringiram, tarde embora, a entrada de mais judeus, e começaram a tentar controlar a militarização destes. Ao mesmo tempo o Holocausto estava a acontecer na Europa, logo estas medidas de limitação foram muito impopulares e cotrariadas pelos poderes emergentes, nomeadamente os Estados Unidos. E o recém criado exército judaico, o Haganah, e vários movimentos de guerrilha judeus começaram a atacar os britânicos. No fim da 2ª Grande Guerra 30% da população da Plaestina já era judaica. E os britânicos sueprvisionavam com dificuldade uma terra em ambiente de guerra civil.

13 - Em 1947 a ONU criou uma declaração, a primeira, defendendo a existência de dois estados na Palestina. Vidé o mapa infra.

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 Jerusalém seria governada por um mandato da ONU, não pertencendo nem a um lado nem a outro. 

Este documento foi porém rapidamente ultrapassado pelos acontecimentos. A guerra entre palestinianos e israelitas já estava a acontecer e com vantagem para os israelitas, que conquistaram as cidades costeiras de Haifa e Jafa e "limparam" os bairros árabes de Jerusalém ocidental. Os países árabes à volta não se comprometeram directamente com o futuro palestiniano - a Jordânia aliás queria a Palestina para si, a única coisa em que concordavam era que não aceitavam a solução dos dois estados - a Palestina era de governo muçulmano, o estado judaico uma invenção ocidental. Quando Israel declarou a independência em Maio de 1948 os países árabes à volta atacaram. Isto assim posto até parece muito e foi bastante. Mas o Haganah vinha a preparar-se à muito tempo e os exércitos árabes eram recentes e mal equipados. Para além do cerco de Jerusalém pela Jordânia, que durou meses e levou à expulsão dos judeus da Cidade Velha, Israel acabou por vencer. E o mapa obtido no fim da guerra era bem maior do que aquela acima. E 700000 palestinianos tinham sido expulsos das suas casas, estas arrasadas para construir o novo Israel. Claro que no meio disto tudo dezenas de milhar de judeus tiveram também que fugir eg da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental, bem como dos países árabes vizinhos. 

Os Palestinianos expulso, talvez 2/3 ou mais da população original da Palestina, refugiaram-se em campos na Jordânia, Cisjordânia, Gaza, Síria, Líbano, até hoje.

14 - A ilusão de todo um povo, sempre perseguido e perseguido como nenhum outro, na criação do Estado de Israel está plasmada no livro "Uma História de Amor e Trevas", de Amos Oz, o mais celebrado dos escritores israelitas. Os pais de Amos Oz tinham fugido de Odessa, Ucrânia para Vilnius, Lituânia em 1917, e depois vieram para Jerusalém em 1933, onde Amos nasceu em 1939. O livro é a história da sua família e da sua infância e adolescência. O cerco de Jerusalém está aqui retratado. Amos Oz explica a sua posição sobre 1948 pela voz de Efraim, no fim do cap. 51: 

" - Pois bem, não deves esquecer que eles tentaram matar-nos em 48. Em 48 houve uma guerra terrível, e eles puseram as coisas em termos de ou eles ou nós, e nós ganhámos e tirámos-lhes as terras. Não há que ter orgulho nisso! Mas se eles tivessem vencido, ainda havia que ter menos orgulho: não teriam deixado um único judeu vivo. E, de facto, não vive um único judeu em todo o território deles. Mas a questão é precisamente essa: é porque lhes tirámos o que tirámos, em 48, que temos o que hoje temos. E como já temos, não devemos tirar-lhes mais. Chega."

15 - Porque Israel não cumpriu, nestes 75 anos que leva de história, esta "recomendação" de Amos Oz é que aconteceu o horrível ataque do Hamas e estamos a assistir à destruição completa de Gaza. 

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