sábado, 21 de maio de 2022

As duas Ucrânias existem mesmo? Os resultados das Eleições Ucranianas a partir da Revolução Laranja até à Revolução de Maidan.

Quando a revolução Laranja aconteceu, em 2004, a Ucrânia pertencia à Comunidade de Estados Independentes, criada após a dissolução da União Soviética, embora nunca tivesse ratificado o seu Tratado constituinte. Por outro lado fornecera o terceiro maior contingente de forças a invadir o Iraque em 2003, lá se mantendo (saíram em 2008). Putin condenou a repetição da segunda-volta das eleições presidenciais e considerou tudo uma interferência clara do Ocidente. A Revolução Laranja era uma revolução "importada", ainda mais tendo em consideração que a Ucrânia... não produzia laranjas! Como podia um fruto estrangeiro ser um símbolo de uma revolução nacional?

Sendo a sua grande aliada na Revolução Laranja, Viktor Yuschenko nomeou Yulia Tymoshenko Primeira- Ministra. Em Junho de 2005 a revista Forbes considerava Yulia Tymoshenko a terceira mulher mais poderosa do mundo. Três meses depois era despedida do cargo. Porquê? Rapidamente os aliados viraram rivais. Viktor Yuschenko, eleito dentro de uma lógica anti-corrupção, começou a conviver com facilidade e "harmonia" com a oligarquia. E isto complicou a vida a Tymoshenko, a quem as calúnias de fraude fiscal e enriquecimento ilícito também aconteciam com uma calculada periodicidade. A sua tentativa de atacar os privilégios de uma empresa pertencente ao genro de Leonid Kuchma foi a gota que levou ao despedimento. Yushenko, o homem que em 2004 em plena campanha eleitoral tinha sofrido uma terrível tentativa de envenenamento com dioxina que lhe desfigurou a cara, o bancário das contas certas de dez anos antes. era agora um amigo de oligarcas. 

As Eleições Parlamentares de 2006 fizeram a radiografia da situação política ucraniana. Por alteração da Lei Eleitoral só partidos com mais de 3% dos votos iriam ter assento parlamentar. Sobraram cinco.

O candidato derrotado em 2004, o homem contra quem a Revolução Laranja tinha sido feito, Viktor Yanukovich, recebera 1/3 dos votos com o seu Partido das Regiões. O Bloco Tymoshenko ficou em 2º lugar com 22% dos votos e o Bloco Nossa Ucrânia de Yuschenko ficou apenas em 3º lugar com 14%. Restos do antigamente, os Socialistas de Morosz e os Comunistas de Symonenko receberam 5 e 4%. Como se pode ver no mapa abaixo, Yanukovich fazia o pleno a leste, Tymoshenko ganhava na Ucrânia central, Yuschenko resistia parcialmente a oeste, apesar de todas as notícias negativas sobre a sua incapacidade enquanto Presidente em fazer frente à oligarquia. 


Perante estes resultados e com a memória das Revolução Laranja ainda recente, foi dado como adquirido que Yulia Tymoshenko iria ser Primeira- Ministra. Ao fim de alguns conturbados meses de negociação tal não aconteceu. O homem que tinha perdido a Revolução Laranja, Yanukovich, ia ser o novo Primeiro-Ministro com os votos do seu partido, dos Comunistas, dos Socialistas e de 30 deputados "fugitivos" do partido de Yushenko. Este aceitou a solução mas obrigou todos os partidos a assinar uma negociada "Declaração de Unidade Nacional" cujas palavras eram inócuas, quem assinava não. A Unidade Nacional era reafirmada, a defesa regional da língua russa aceite, a questão da adesão à NATO era mencionada e aparecia por escrito que seria submetida a referendo. Tymoshenko não assinou esta declaração. 
Yuschenko no entanto nunca deixou Yanukovich governar em paz e em 2007 conseguiu que se procedesse a novas Eleições Parlamentares antecipadas, depois de uma prolongada crise institucional. O Partido das Regiões entretanto tinha encetado relações próximas com Putin e o seu partido Rússia Unida. Mas nestA crise Yanukovich nunca solicitou ajuda ou pediu qualquer intervenção de Putin, pedindo antes intermediação de outros países europeus.

  

O resultados foram similares a 2006 mas com o partido de Yulia Tymoshenko afirmando-se mais como a alternativa ao Partido das Regiões. De referir que as províncias onde Tymoshenko tinha menos de 10% eram... Luhansk, Donetsk, a Crimeia e a cidade de Sevastopol. 
Desta vez foi concedido a Yulia Tymoshenko a possibilidade de formar governo e resistiu à pressão do Presidente Yushenko para fazer uma espécide governo de "unidade nacional".
O segundo governo Tymoshenko teve uma vida muito difícil pois conviveu com uma dura oposição no parlamento por parte de Yanukovich mas também do Presidente Yuschenko, o grande rival cujo partido tinha perdido protagonismo. O governo aliás teve que sobreviver à crise financeira de 2007-2008 e a uma crise de compra de gás à Rússia onde Yuschenko interferiu malevolamente e que aconteceu em 2009.

No início de 2010 aconteceram Eleições Presidenciais. Yanukovich voltou a apresentar-se como candidato e a sua campanha foi financiada por Akhmetov (o homem mais rico da Ucrânia e dono do Shaktar Donetsk) e concebida por Paul Manafort, anos depois um dos estrategas de Trump. A sua figura foi polida e posta a brilhar: origens humildes, uma subida a pulso, etc., etc. Yulia Tymoshenko era a grande adversária. O Presidente cessante não conseguiu evitar candidatar-se e sofreu uma derrota humilhante, recebendo apenas 5% dos votos. Na segunda volta Yanukovich ganhou, por uma pequena margem a Yulia  Tymoshenko. Esta contestou os resultados, para nada. Verdade seja dita que as sondagens já apontavam para a vitória de Yanukovich, o homem que tinha sido derrotado pela Revolução Laranja.


No mapa acima a polarização ucraniana está be,m à vista. A província de Donetsk era a mais populosa do país, e por isso acabou por decidir a eleição. De notar porém que a diferença entre os dois candidatos foi escassa. Se Yulia  Tymoshenko tivesse tido um voto esmagador na Transcarpátia, aquela tira horizontal mais a oeste e que era um reduto de Yushenko, ela talvez tivesse ganho. Mas Yushenko não recomendou o voto em ninguém para a segunda volta, dizendo que o país ia ter de escolher entre "o mau e o péssimo". Dnipro, Odessa, Kharkiv, votaram por Yanukovich. A Revolução Laranja, mlorta em 2006, estava agora enterrada e profundamente. Yanukovich era Presidente.
Ainda no ano de 2010 era assinado o contrato prolongamento do porto de Sevastopol à Frota Russa do Mar Negro até 2042, tendo como contrapartida gás natural mais barato. E Yanukovich excluiu dos seus planos uma adesão da Ucrânia à NATO.

Tymoshenko não saiu só do governo. No final de 2011 acabou presa após vários processos com várias acusações sobre utilização incorrecta de fundos, corrupção, etc. Vários ministros seus já tinham sido acusados antes. Só seria libertada depois da Revolução de Maidan.
Os anos da Presidência Yanukovich serviram para consolidar o peso dos seus próximos na oligarquia ucraniana. O grupo de poderosos à volta de Yanukovich era conhecido como "A Família" e o centro do grupo era o filho de Yanukovich, Oleksandr. O primeiro governo por ele empossado tinha 29 ministros, o segundo maior governo então da Europa. Deles oito eram vice-primeiros-ministros, oito eram da província de Donetsk e, pela primeira vez na curta história dos governos ucranianos, eram todos homens.
Houve eleições parlamentares em Outubro de 2012. 



O Partido das Regiões de Yanukovich ganhou, com 30% dos votos, o Partido Mãe-Pátria de Tymoshenko ficou em 2ª com 25% dos votos. Um redesenhar da lei eleitoral virou um bocado o tabuleiro a favor do Partido das Regiões. Com 14% dos votos apareceu como novidade o partido do boxeur reformado Vitali Klitschko, os Comunistas tiveram 13% e um partido de extrema-direita, Svoboda, 10%. O partido de Klitschko, com a sua linha anti-corrupção, foi o primeiro partido ucraniano cujos votos eram menos polarizados por regiões. O Svoboda, pelo contrário, quase só tinha votos na Galícia, o extremo-oeste do país. Yanukovich contnuou a governar com o apoio dos comunistas. Estes queriam uma maior ligação à Rússia e à Bielorrúsia. Yanukovich estava de acordo. Quando Yanukovich fez marcha-atrás num acordo comercial com a União Europeia, aconteceu a Revolução de Maidan.

Com a Revoluçãoc de Maidan a Rússia invadiu a Crimeia e parte importante do Donbas, incluindo as capitais das duas províncias, Donetsk e Luhansk. Estes territórios nunca mais participaram em nenhuma eleição ucraniana.







 

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