sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Três Filmes de Alain Resnais

A minha história com Alain Resnais começou há muitos anos. Por alguma razão, nos anos oitenta, a minha namorada de então foi ver o filme "A Vida É Um Romance" e eu não. Despeitado assisti a conversas femininas a posteriori, onde o filme era muito bem pontuado. No ano a seguir Alain Resnais voltava a aparecer nos nossos cinemas com "L'Amour a Mort", e prefiro o nome original ao português "Amor Eterno", o que depois explicarei. A este já assisti na devida companhia e. quase quarenta anos depois, de pouco dele me lembrava para além de umas imagens de neve a cair num fundo escuro, a música, um tom lúgubre a atravessar o filme. Revi recentemente este filme. Vou começar por ele.

"L' Amour a Mort" começa com um longo travelling que nos leva até uma casa isolada no campo onde estará a acontecer alguma tragédia. Elisabeth (Sabine Azema) sai da casa a correr e depois  volta, volta depois a sair. No primeiro andar Simon (Pierre Arditi) contorce-se com uma dor lancinante. Um médico já entrado na idade chega entretanto e sobe apenas para verificar o óbito. Elisabeth desce tolhida pela dor para, pouco depois, pela escada em caracol que liga os dois pisos da casa, descer um Simon "ressuscitado", a perguntar o que aconteceu. Este é o nó a partir do qual o filme se desenvolve. Elisabeth e Simon são namorados/amantes há apenas dois meses mas ao viverem esta situação limite a sua relação ganha um empolgamento adicional. Resnais não facilita e explica-nos logo que este filme não vai acabar bem. Primeiro o título. Depois a acção é pontuada cada dois três planos por sequências de um escuro "mortal" envolvido numa música nada animadora de Hans Werner Henze (!) e onde cai ou não neve. Estas sequências mais a música tomam tanta importância no filme (são do pouco que não esqueci da primeira vez) que às vezes ficamos sem saber o que interrompe (ou completa) o quê: um plano com Elisabeth e Simon oferece-nos uma frase, um curto diálogo e logo voltamos para o escuro e a neve que cai. Simon, "portanto "resuscitado", primeiro ganha um novo ânimo, uma alegria; mas algum tempo depois o acontecido começa a interrogá-lo e a torturá-lo. Aparentemente lembrar-se-á do túnel do costume, de uma música, de um rio, de uma sensação de paz, pergunta-se se afinal não estará mesmo morto, e a opressão toma conta do filme, Elisabeth pressente que Simon vai acabar por morrer (outra vez). E assim acontece. Elisabeth no enterro promete segui-lo. Este casal tem como melhores amigos Judith (Fanny Ardant) e Jérôme (André Dussolier), um casal de pastores (protestantes portanto). O filme vai-nos progressivamente oferecendo a incapacidade da religiâo deles em responder à angústia da situação limite do casal Elisabeth/Simon, sendo porém a atitude de Judith algo diferente da do marido. Afinal, quantos tipos de Amor há? Jérôme socorre-se sempre da Bíblia para responder ao que acontece, Judith não. Judith afinal namorara com Simon na adolescência. Simon teria já então uma obsessão com a morte. O filme termina com um travelling geométricamente oposto ao inicial e onde Judith e Jérôme confortam-se afirmando "On ressuscitera!", embora seja apenas de sobreviver que eles realmente falam naquele momento.

Este filme não teve um acolhimento unânime e, realmente, quebra um pouco após a segunda morte de Simon. Mas se aderirmos à estranha montagem com os tais interlúdios em negro, à música de Henze e à possibilidade do abismo de Simon e Elisabeth, ficamos para nós com um Grande Filme.

Após mais um sucesso de estima chamado "Mélo", em 86, Resnais apresenta-nos em 1989 um filme  bem diferente. A surpresa levou a que ele fosse o seu maior fracasso comercial, tendo também recebido alguma incompreensão da crítica. O filme chama-se "I Want To Go Home" e é o nosso filme número dois.

"I Want To Go Home" é na realidade uma estranha comédia de costumes que atravessa o oceano e se apresenta bilingue (com uma dobragem aqui e ali incorrecta). Joey Wellman é um autor de banda desenhada americano de segunda-linha e fora de moda, autor da figura "Heppcat". É convidado para um salão de banda desenhada em Paris e aceita, ele que nunca viajou para fora dos Estados Unidos. Acontece que em Paris vive há dois anos, com ele zangada, a sua filha Elsie, apaixonada por Flaubert e tudo o que é francês e querendo fazer esquecer que nasceu em Cleveland. USA. Ambas as figuras são apresentadas logo no início a ter diálogos engraçados com "balões" do Heppcat e da sua comparsa Sallycat, como se fossem grilos falantes. Resnais, põe sempre algo de diferente nos seus filmes, e aqui é isto, estas intrusões "comic". Joey vem para Paris com a sua companheira e co-desenhadora Lena. O choque de culturas, estereotipado até quase ao exagero, provoca sempre a reacção de Joey de querer voltar para casa. Joey Wellman, já agora, é representado por Adolph Green, um sexagenário escritor consagrado de musicais da Broadway, que aqui tem o seu único papel principal em filme, sendo a sua cara, o seu "boneco" fundamental para o bom funcionamento do filme. Joey foi convidado por Christian Gauthier (Gerard Depardieu), um especialista em Flaubert (que Elsie busca em vão entrevistar) mas que adora a BD. Joey Wellmann foi convidado na realidade porque todos os autores de primeira linha recusaram a viagem. Uma comédia de costumes é sempre uma comédia de equívocos e nunca pode sair do estereótipo (aqui cultura França vs EUA ) criado. A acção evolui para o palácio no campo onde reside a mãe de Christian Gauthier. Muita discussão e histeria depois, incluindo improváveis encontros em leitos tardios, o fugitivo cartoonista Joey Wellmann encontra refúgio na população da aldeia perto do palácio, primeiro cantando velhos êxitos da Broadway (e dizendo coisas como "nos velhos filmes vocês franceses falavam todos inglês!") e depois desenhando Heppcat para toda a gente. Os finais felizes são sempre finais forçados mas também aqui Resnais fica e não fica pelo estereótipo: Elsie reconcilia-se com o pai e com a madrasta (Lena) mas só volta com esta para a América. Joey fica por França a disfrutar das atenções e do carinho da mãe de Gauthier, atenções que na realidade já não recebia na América,. Até quando? 

Um filme com uma comicidade especial que implica gostarmos dos personagens. Não há filme que para mim melhor demonstre esta nossa enorme paixão por sermos amados. Queremos que nos queiram. E Joey Wellmann é a melhor ilustração que eu já vi em cinema desde universal propósito, mantido até que a morte dele nos separe. Nota: o filme não tem um trailer acessível no Youtube.  

Alain Resnais seguiu caminho apresentando em 1993 o díptico "Smoking/No Smoking", 300 minutos de cinema divididos em dois filmes que se baseiam numa peça de teatro onde pequenas inflexões de percurso (eg. pegar ou não num cigarro) alteram o desfecho dos acontecimentos. Falamos então de um/dois filme (s) que começa (m) e termina (m) várias vezes, interrompido sempre pela suposição " e se em vez de...". Este estranho tour de force foi mais um sucesso de estima.

Em 1997 aparece "On Connait La Chanson". Resnais volta à comédia de costumes em Paris triangulando vários encontros e desencontros entre gente da média e alta burguesia mas com uma particularidade: metade das vezes eles não falam, cantam, e cantam êxitos da canção francesa! A figura principal volta a ser Sabine Azema (Odile), a esposa de Alain Resnais já agora. Transcrevo o site "Allocine": "Suite à un malentendu, Camille s'éprend de Marc Duveyrier. Ce dernier, séduisant agent immobilier, et patron de Simon, tente de vendre un appartement à Odile, la soeur de Camille. Odile est décidée à acheter cet appartement malgré la desaprobatio muette de Calude, son mari. Celui-ci supporte mal la réapparition aprés de longues années d'absence de Nicolas, vieux complice de Odile qui devient le confident de Simon.". Compreenderam? A montagem, o ziguezague musical, é divertidíssimo. As canções são as mais popularuchas qu'houve, algumas lembro-me bem delas, terão chegado a Portugal. A melhor para mim tem um refrão cantado por Odile e que é assim: "Resiste! Prouve que tu existes!" O filme foi um sucesso de bilheteira e de crítica em França, nem tanto assim fora do hexágono, compreensivelmente. Recomendo e muito! Já agora, o filem está dedicado a Dennis Potter, o dramaturgo inglês que criou a série televisiva "O Detective Cantor"!.








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