Tenho eu esta ideia de que no inverno se dizem que encobre chove, e no verão se dizem que chove apenas fecha o sol sem mais. Ainda não percebi onde estamos.
Ontem decidi levar a minha filha a ver uma peça no Teatro Regional do Montemuro. Tem esta companhia de vida um quarto de século e a sede na aldeia de Campo Benfeito, que nem freguesia é, no concelho de Castro Daire. Isto, a andar bem, fica a pouco menos de duas horas do Porto.
Almoçámos em Ovar. Pouco depois começou a chover. Só pararia à noite. Na auto-estrada de Viseu para Vila Real sai-se para Bigorne. Depois há um desvio que diz Campo Benfeito. Não há eucaliptos e os pinheiros são escassos. Os carvalhos estão verdes de tanto líquene e formam grupos fantasmagóricos. Ninguém cá fora: o termómetro marcava oito graus. E estávamos a 800-900m de altitude. Gosendinho, Gosende e Campo Benfeito. Aldeia que se encontrou dentro de um denso nevoeiro. Logo à entrada uma espécie de armazém pintado de verde é o teatro. Já num desvio antes dizia "Teatro", sem mais. Ali não haverá outro, claro. À chuva rodeamos o paralelepípedo e batemos a uma porta. A peça estaria a ser ensaiada, os últimos retoques a serem dados. Eram cinco da tarde, chovia imenso. "Era só para confirmar que há espectáculo, viemos do Porto.." "Claro! Apareçam!" "Olha, já vi o cenário!", disse a Cata. "Onde jantar?" "Na Gralheira!"
Fomos lanchar alguma coisa a Lamego, que fica relativamente perto. Já vos disse que gosto de Lamego? Fomos lanchar à Scala. E depois era encontrar a Gralheira para jantar. Voltámos portanto para trás, voltámos a encontrar Campo Benfeito e, desta vez, atravessámos o lugar. Que bem bonito será, mas a névoa não deixou ver quase nada. Seguimos e seguimos, pelo meio das nuvens, percebemos que passámos a cumeada porque o concelho de Cinfães nos saudou. Depois começámos a descer e era a Gralheira. A Gralheira é das aldeias mais altas de Portugal: 1100 m. E é conhecida por dois restaurantes que fazem um cozido. de truz. Um doente meu, nonagenário, ainda recentemente me falou deste cozido. Prometi-lhe uma visita, eis que cumpria. Mas cozido à noite... Comi meia dose de um arroz de feijão com enchidos que estava muito bom. A minha filha foi surpreendida por uma carta de pizzas - sim, fazem-se pizzas na Gralheira! E comeu uma mega-mini-pizza.
Chovia ainda. Conseguimos adivinhar o caminho de volta até Campo Benfeito. O Teatro, lembro, ficava à entrada da aldeia num pequeno patamar elevado onde dava para estacionar. Em frente residia um parque infantil. Estacionámos e esperámos um pouco. Chegava um carro, chegava outro. Os ocupantes saiam a correr pela chuva e desapareciam. Saímos nós. Tentámos uma porta, fechada. Outra, fechada também. Voltámos para trás. Tentámos uma terceira vez numa terceira porta - não havia sinais que identificassem a função de cada uma das ditas. A porta abriu-se e entrámos de sopetão num bar improvisado onde se serviam cafés e se cobravam os bilhetes para a peça: 2+1 euros no nosso caso. Nas paredes cartazes e cartazes de peças antigas. Numa cesta o programa do Festival Altitudes de 2015 e umas separatas duma freguesia do concelho de... Felgueiras. À frente a folha de sala pousada: "Recuerdos de Avignon", por uma companhia de Sevilla.
Conheciam-se todos. Seriam... das aldeias?... de Castro Daire?... de Lamego ou Viseu? Só nós os forasteiros. Entrámos para o "auditório" com uma meia hora de atraso, talvez porque "já teriam enfim chegado todos os que eram para chegar". A chuva ouvia-se a martelar o telhado - de zinco? Os vozes mais baixas dos actores espanhóis não se ouviam bem - e nós estávamos na segunda fila... Aqui e ali a peça pedia um ruído de chuva e de relâmpagos. Podiam ter-se poupado ao esforço.
Não vou comentar a peça, a minha acompanhante será melhor para isso. Havia uma peça dentro da peça e um triângulo amoroso e de idades. Talvez a ideia fosse postular a hipótese de, se calhar, vivermos rodeados por peças de teatro sem o saber.
Trinta pessoas assistiam, das quais meia dúzia de crianças: a receita da bilheteira uns cinquenta euros?
A peça acabou pelas onze menos um quarto da noite, cedo demais para irmos experimentar o túnel do Marão. Chovia menos o suficiente para pela noite dentro conseguirmos acabar por passar a Ponte da Arrábida um quarto depois da meia noite. No banco de trás a garrafa de água de litro e meio comprada na Gralheira estava torcida, metida para dentro, pela diferença da pressão atmosférica.
Não vou investigar como subsiste o Teatro Regional do Montemuro, como serão as contas, de onde vem o dinheiro e para onde ele vai. Fico na minha: tínhamos assistido a um Milagre. E Benfeito!
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