terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Uma cerimónia.

Há noites onde na minha casa acontece uma cerimónia do chá. Que passo a explicar. 

Lavados os dentes em sincício e cuspida toda a maldade, disfarçada por uma espuma branca, para que a noite seja em paz dirijo-me para a cozinha onde escolho um copo alto. Encho-o com quatro dedos de água e aqueço-o sessenta segundos em micro-ondas na potência máxima, ou seja, novecentos watts. A água sai quase a ferver. Procedo à imersão nessa água de um saco com folhas esmagadas de tília. Digo tília e, portanto, não se trata verdadeiramente de chá mas de uma infusão. Vamos esquecer  o detalhe, que “cerimónia da infusão” não bate igual. O copo alto a fazer a infusão encerro-o com outro copo preenchido por três dedos de água, sendo que o encaixe permite aumentar a rapidez da infusão e manter o calor. O tempo de espera que agora se adivinha como obrigatório serve para a colocação de um banco, o acertar de um despertador, o discutir a hora de reinício da vida cá dentro, da vida lá fora, bem como o seu financiamento. A infusão já está feita e acolhe com agrado uma colher de chá de mel que se dissolve com afinco. Os dois copos são transportados para a mesa de cabeceira. O quarto já deve neste momento estar com iluminação focal que permita dirigir a atenção de olhos diligentes mas cansados e presbíopes para um livro do qual se vão ler algumas passagens. Negoceia-se o fim da leitura, bem como o descansar do livro. Bebe-se, agora sim, a infusão, e no fim a água que antes a cobria. Apaga-se a luz. Pratica-se uma mnemónica que afugenta e alimenta. Promete-se sonhar com anjos, aproveitando que não existem. 

A cerimónia que descrevi serve para bem terminar um dia. Tomara que nunca acabasse.

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