quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Há neve no Montemuro.

Ontem não consegui ir do trabalho para casa. Precisava de ver a neve. Decidi pegar no carro ir até às Portas do Montemuro.

Eram três da tarde. Liguei o navegador do Google Maps. Este (ou melhor esta) passou os primeiros quinze minutos desorientada mas depois atinou quando já eu tinha decidido enveredar pela A4. Seguimos até Penafiel e depois foi descer para Termas de S.Vicente e Entre-os-Rios.

A divisão territorial portuguesa está por fazer. Os distritos são uma invenção relativamente recente e sem sentido, e mesmo as províncias “de sempre” são adaptações de noções vagas tradicionais a um mapa desenhado no século XIX. A A4 é a auto-estrada do Vale do Sousa. Mas o que é o Vale do Sousa? 
O Norte e o Centro em Portugal têm uma dicotomia muito marcada Litoral/Interior. Dicotomia económica, social, cultural e, para começar, geográfica. O Vale do Sousa é a região mais atrasada do Litoral Português. Era também, até à poucos anos, a região mais fértil - não no sentido agrícola mas  reprodutivo - da Europa Ocidental, à frente do Vale do Ave. As regiões portuguesas com nomes de rios parasitam rios de valor, marcantes: Minho, Douro e (riba- e além-) Tejo. Alguém alguma vez viu o Sousa? Conhecemos a foz dos cruzeiros no Douro. Encaixado em ladeiras como todos os rios por cá, mal se vê sob as pontes que sucessivamente lhe faltam ao respeito. O Vale do Sousa é geograficamente o corpo central dum terreno rugoso, agreste, acidentado e martirizado por acácias, eucalipto, indústria, pedreiras e gente que se chama Douro Litoral. Será Verde o vinho, mas aqui não está a gentileza do Minho.

Cheguei a Penafiel, terra que fica num alto, como diz o nome, vizualizei o hospital – também lá em cima – onde amigos trabalham e sofrem acrise gripal, e derivei para a estrada que desce pelas Termas de S.Vicente até ao simbólico ponto de Entre-os-Rios. As Termas estão a ser recuperadas. Entre-os-Rios, depois do drama, foi sobrevoada por pontes, viadutos, acessos e rotundas. Os mortos continuaram mortos, e a água dos dois rios, Douro e Tâmega, continua por ali majestosamente a confluir em variável harmonia. Passado o rio há que subir para Cinfães.
São mais de vinte quilómetros até Cinfães. Que ao distrito de Viseu pertence mas da Beira não é. Cruza-se o Paiva e é logo a subir. Nestes vinte e tal km estamos sempre a olhar para o poderoso rio que nos contraria lá em baixo, a fazer o seu percurso em sentido oposto. Este sim é o rio que define, estas terras são o que este rio dá e tira, este rio e os seus tributários. É uma estrada portanto que requer cuidado e não permite grande disfrute do que se quer ver. Progressivamente o desastre urbanístico e ambiental dos concelhos de Valongo, Paredes e Penafiel cede o lugar a uma natureza mais coerente, a socalcos mais vivos, a uma presença humana mais esparsa. O rio está umas centenas de metros abaixo e, em frente, o mosteiro de Alpendurada. Recuperado mas não sei bem para quê. À sua volta não há um verde que perdure, como se a envolvente tivesse sido bombardeada. No monte que sobrejaz uma enorme pedreira dita a sua cicatriz. E continuamos a subir. Com paciência chegamos a Cinfães. Que se desenha à volta da estrada que segue na encosta. Virada para o Douro. E a adivinhar a serra para onde vamos. Pequena vila arranjada pelo (seu) poder autárquico, tem umas que parecem ser estátuas de/à Cutileiro para celebrar  o (seu) Carnaval. As estátuas estão ao correr da rua que assim é a terra. A vista para o rio define Cinfães.

A rapariga brasileira do Google Maps avisa-me de que em trinta minutos chegarei ao destino.


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