Felizes os que têm uma aldeia onde voltar, felizes. Partiram delas um dia, eles ou os pais, o que é a mesma coisa. Voltam saindo naquele nó da auto-estrada, uma pequena ansiedade dissimulada, começam a subir a serra, as vistas, a névoa, acontecem as reconhecidas curvas, o entroncamento onde o tio Zé teve o acidente com a mota, aparecem as oliveiras, a vinha, as maceeiras, os soutos de castanheiros, as terras têm nome e dono, comenta-se quem comprou a quem, quem partiu, quem herdou, numa rua inclinada encosta-se o carro, chegámos. Felizes os que têm aldeias.
Pouco antes de chegar a Vila Pouca é seguir as indicações para Valpaços e Carrazedo e toma-se a estrada para a Padrela. Que mal começa a subir nos oferece vistas sobre o socalco de Vila Pouca, encalhado entre a Padrela e o Alvão, vistas, impedidas aqui e ali por abetos, pinheiros, carvalhos, etc. Depois entrei em terrenos de mato baixo e a névoa fechou toda e qualquer vista. No site da CM fala de uma "via panorâmica" da Lagoa. Passámos pela dita aldeia, a névoa permitiu ver casas, bons campos, pouco mais. Em Carrazedo a visão era de um par de metros à minha frente. A Padrela - que também é uma bonita aldeia onde um intervalo no branco me permitiu ver a marcha de um Outono já a terminar - é uma serra que é um planalto enrugado que vem subindo irregular até se derrubar sobre as terras de Aguiar. Isto adivinhei, não vi.
Posto isto conduzi até Argeriz, que ficava a meia dúzia de quilómetros. A Argeriz e a mais nenhuma terra devo o gostar de castanhas - cruas, cozidas, secas, assadas, em todo e qualquer cozinhado - e de alheiras e de folar de Chaves. Estas aldeias são feitas de mulheres, mulheres que enchem as casas onde persistem, por pequenas que sejam as mulheres de de falo. Lembro sobretudo de uma, tão pequena que era, lembro acompanhar a sua doença, como um enfermeiro a passou de uma cama para outra ao colo, tão pouco pesava. Encontrei a casa, já não encontrei as mulheres, as que estavam, acredito que as que voltavam ainda lá voltarão, perdi esse contacto há tantos anos, numa das curvas de que falei antes, onde o tio Zé teve o acidente, ou o primo Xico se estatelou com a bicicleta. A casa ali se mantém, orgulhosa, ainda bem que alguém a cuida, ainda bem. Desconheço a história recente da mesma, nem tenho porque a saber. Do pátio traseiro da igreja pude espreitar as escadas onde cheguei a sentar-me e descascar castanhas.
Quem tem uma aldeia tem quase tudo. Quem não a tem é obrigado a fazer bastante mais pela vida.
Ao voltar, da auto-estrada que vai para sul pendurada nos inícios do Alvão, ainda se via do outro lado a Padrela fechada por uma névoa, uma nuvem que parecia ser só sua, de mais ninguém.
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