quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Oito poetas e chegamos ao ano em que nasci. E 122 contados.

Escolhas minhas e escolhas do público? Não, minhas todas. Continuamos no dilema da abundância. Daqui a vinte anos, em estando aqui voltarei. Já passámos bem a centena e eles continuam a vir! A poesia portuguesa tem as suas tribos, menos mal que também mantém algumas qualidades. Curiosamente nestes anos eu deveria talvez explicar porque me aborrece o Daniel não-sei-quê Rodrigues, porque adormeço "sem" o Xico Zé Viegas, porque não me entusiasma o Fernado Pinto do Amaral. Não tenho tempo nem me apetece.



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ANTÓNIO CABRITA (1959- )

Um desalinhado que escreveu boa crítica de cinema no Expresso durante muitos anos. Escrita extensa, barroca, a traduzir uma relação não fácil com o que seja. Também escreveu muita prosa e - em conjunto com Maria Velho da Costa - uma peça sobre o fim de Camilo intitulada "Inferno", que um dia acabarei de ler. Viverá ainda entre Portugal e Moçambique?


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SOPRA AS TUAS VELAS


O corpo com a idade impõe ora folga, ora um alpendre certo (com vinha de enforcado) aos apartes, enquanto surripia o humor aos corvos.
Um dia esquece-nos, expele pelos olhos uma faúlha preta, e eis-nos arredados
de toda a escuta como as flores de plástico, que macambuzam a televisão da avó.
Já fui mais festivo, fotografava ao acaso e, na ampliação, detectava a secreta geometria dos fundos, as gengivas que desbravam o riso de Deus.
Mais presciente a minha filha de três anos: «és a sereia Ariel ou o linguado?»
Nem hesita: o linguado!
Entra no teu silêncio e sopra as tuas velas, recomendava, astuto, o Victor Hugo.



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MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA (1959- )

A mulher forte do grupo Leya - editora, entenda-se - não é uma poetisa de descartar, embora talvez também não mereça as parangonas que já teve. A sua poesia é declaradamente escrita em contra-corrente, romântica, confessional, subjectiva. E, porém, de vez em quando, Acontece. Parece ser casada com o director editorial da sua maior concorrente, a Porto Editora. A poesia deste não é tão boa.


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DEVAGAR

Nada entre nós tem o nome da pressa.
Conhecemo-nos assim, devagar, o cuidado
traçou os seus próprios labirintos. Sobre a pele
é sempre a primeira vez que os gestos acontecem. Porém,
se se abrir uma porta para o verão, vemos as mesmas coisas –
o que fica para além da planície e da falésia; a ilha,
um rebanho, um barco à espera de partir, uma palavra
que nunca escreveremos. Entre nós
o tempo desenha-se assim, devagar.
Daríamos sempre pelo mais pequeno engano.


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ADÍLIA LOPES (1960- )

Pseudónimo de uma mulher onde uma doença mental "de base" não obsta a uma brilhante carreira literária, esta vai ser a nossa "poetisa louca" que vai chegar a velha! Conheci-a com o "Poeta de Pondichéry", e o seu humor sibilino e sabedor é do melhor que por cá acontece. Continuo fascinado pelo seu texto sobre a menstruação - e a que sofre de duras dismenorreias peço muita desculpa. Que sobre ela tenham publicado um livro chamado "Quem Quer Casar Com a Poetisa?" é, talvez, uma piada de mau gosto. Mas, se calhar, a Adília Lopes gostou: quem a lê percebe que ela, uma "tímida desenrrascada", está pronta para tudo!


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A ELISABETH FOI-SE EMBORA


(com algumas coisas de Anne Sexton)


Eu que já fui do pequeno-almoço à loucura
eu que já adoeci a estudar morse
e a beber café com leite
não posso passar sem a Elisabeth
porque é que a despediu senhora doutora?
que mal me fazia a Elisabeth?
eu só gosto que seja a Elisabeth
a lavar-me a cabeça
não suporto que a senhora doutora me toque na cabeça
eu só venho cá senhora doutora
para a Elisabeth me lavar a cabeça
só ela sabe as cores os cheiros a viscosidade
de que eu gosto nos shampoos
só ela sabe como eu gosto da água quase fria
a escorrer-me pela cabeça abaixo
eu não posso passar sem a Elisabeth
não me venha dizer que o tempo cura tudo
contava com ela para o resto da vida
a Elisabeth era a princesa das raposas
precisava das mãos dela na minha cabeça
ah não haver facas que lhe cortem o
pescoço senhora doutora eu não volto
ao seu anti-séptico túnel
já fui bela uma vez agora sou eu
não quero ser barulhenta e sozinha
outra vez no túnel o que fez à Elisabeth?
a Elisabeth foi-se embora
é só o que tem para me dizer senhora doutora
com uma frase dessas na cabeça
eu não quero voltar à minha vida




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FRANCISCO DUARTE MANGAS (1960- )

Minhoto, tem em Vila do Conde uma casa com um grande quintal onde pratica a mui nobre arte de ser agricultor de quintal. Porsador, jornalista, poeta. A sua poesia, epigramática, Vale.


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os tordos
voam em bando

morrem um a
um




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FERNANDO LUÍS SAMPAIO (1960- )

Foi convidado a demitir-se em 2002 de director do então Instituto Português das Artes do Espectáculo, por co-responsável na criação de um quadro de "emergência financeira". Premonitório? Fora isso posso dizer que nesta geração é aquele que melhor herda os pressupostos do "regresso ao real" do Joaquim M Magalhães, e isto é um elogio.


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BURNING SANDS


A fuligem adocicada do
pôr do sol.
Uma por uma as verdades
deste idílio vão
de escada amortecem as mentiras 
da razão.

A sombra que no espelho se espraia
traz-te pela trela mutilada de afectos,
o sorriso rebenta num escombro.

A correr para uns braços, 
a dançar trance, o sentimento
é um cerco, um escorpião
de ténis empoeirados e amistoso.

No cigarro matinal o tempo veleja
nas volutas da tua vida
o rastilho de um rubi
que se ilumina quando te calas.



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ANA MARQUES GASTÃO (1962- )

Ensaísta, crítica de dança e de artes plásticas, colaboradora da Colóquio-Letras, etc., etc. Perdoo-lhe uns quantos hit and miss pelo poema abaixo.


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T


Para a dor
não há ciência
só a distância
entre a ausência
e a tua chegada.



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PAULO TEIXEIRA (1962- )

Reconhecido cedo talvez porque infiliável, a sua poesia é uma viagem no tempo e na geografia até outros mundos poéticos, seguros, circunstanciados, medidos. Antigos porque viver hoje...


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ODE DE WILLIAM SHAKESPERARE A HENRY WRIOTHESLEY


Poderei comparar-te a um dia de verão?À luz desses
céus que desafiam, errantes e sem ruído, a calma dos
deuses que somos um instante frente à orla chegada
dos mais insidiosos horizontes? Love´s not Time´s
fool. E nada tenho a dizer ao rosto de beleza que te
cresce na sombra ou à dedicatória onde as iniciais te
chegam invertidas, a lembrarem o contrário que somos
do cego e vasto mundo.Assim queria afundar
estas frases no presságio das marés distantes, para
que o silêncio (o sangue que te corre esquecido
pela carne) fosse, por um momento, clareira
aberta aos olhares ao gesto todo nu desse corpo, o
coração como uma lâmpada acesa na mãodireita, no fundo
quarto à espera. Deixa só que a hora escureça
para expores à luz dos gerânios e a mais
obscuros usufrutos a pele despida de outras claridades e fecha os
olhos à vitória da minha boca na tarde dos teus
lábios. A noite tem estrelas, o dia sóis intermináveis:
eu tenho só, pathetic soul!, a alba incorruptível
que me nascerá escondida na sombra dos teus
passos
.
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JOSÉ CARLOS BARROS (1963- )

Um homem português completo, pois nasceu em Boticas e vive em Vila Nova de Cacela. Um homem da ironia e do "real" ou não fosse arquitecto paisagista. Também prosista que de blogues tem viajado para livros premiados.


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SONETO DO SOBRESSALTO


É fácil no amor o ser feliz
se a tanto se resume o que buscamos
jurando a eternidade com o giz
das coisas que escrevemos e apagamos

conforme nasce o dia ou anoitece.
Mas eu, amor, exijo o sobressalto,
a dor, o lume, o vento que enlouquece,
o medo, a cicatriz, o passo em falso.

E arrisco-me a ter frio e a ter sede.
E ouso o fogo, a areia da tristeza,
o voo no trapézio sem a rede,

o abismo, um precipício, uma ravina
a pique desenhada de surpresa.
Do mundo eu temo apenas a rotina.



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