sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Revisão da matéria dada, ou seja, chegamos aos 146!

Antes de seguirmos em frente para os poetas nascidos nos setentas e oitentas, façamos um rappel a alguns nomes que esqueci e decidi chamar para arrendondar a escolha. Sim, estão aqui o Torga e o Gedeão.



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ANTÓNIO GEDEÃO (1906-1997)

O físico Rómulo de Carvalho, professor de liceu, historiador, divulgador científico, publicou o seu primeiro livro de poemas em 1956 com o pseudónimo acima, "Movimento Perpétuo", e a popularidade de muitos dos seus poemas assassinou para a posteridade o nome deste poeta. Falta uma análise desapaixonada e que antologie os poemas belos e desconhecidos que este indubitavelmente bom poeta escreveu.


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SUSPENSÃO COLOIDAL


Penso no ser poeta, e andar disperso
na voz de quem a não tem;
no pouco que há de mim em cada verso,
no muito que há de tudo e de ninguém.

Anda o cego a tocar La Violetera,
e eu a vê-lo e a cegar;
e a pobre da mulher esfregando e pondo a cera,
e eu a vê-la, e a esfregar

Que riso perto, que aflição distante,
que infíma débil, breve coisa nada,
iça, ao fundo, esta draga carburante,
rasga, revolve e asfalta a subterrânea estrada?

Postulados e leis e lemas e teoremas,
tudo o que afirma e fura e diz sim,
teorias, doutrinas e sistemas,
tudo se escapa ao autor dos meus poemas.
A ele, e a mim.



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MIGUEL TORGA (1907-1995)

Homem que passou pela "presença" mas que prezou sempre a sua independência. Trasmontano de perto de Vila Real, trabalhou na fazenda de café no Brasil de um familiar quando jovem, que depois lhe pagou o curso de Medicina em Coimbra. Uma espécie de Alexandre Herculano do século XX - nem de cara são assim tão diferentes. Depois do 25 de Abril apoiou Eanes, recebeu Camões e depois foi algo esquecido. Na sua geração não se pode comparar com Nemésio mas a sua poesia, convencional mas inteira, atinge por vezes bem o alvo. Também bom contista e escreveu e publicou um desigual Diário durante mais de 50 anos. Claro que sabemos que o nome acima é o pseudónimo de Adolfo Rocha, Médico de Clínica Geral e Otorrinolaringologista. Casou para a vida com uma aluna belga de Vitorino Nemésio, depois professora de Letras em Lisboa, Andrée Crabbé Rocha, que o traduziu para o francês. Vasco Graça Moura foi, por tempos, seu genro. 


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SÚPLICA


Agora que o silêncio é um mar sem ondas, 
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto. 
Só soubemos sofrer, enquanto 
O nosso amor 
Durou. 
Mas o tempo passou, 
Há calmaria... 
Não perturbes a paz que me foi dada. 
Ouvir de novo a tua voz seria 
Matar a sede com água salgada.



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HENRIQUE SEGURADO (1930)

O homem das livrarias Castil e homem de jornais, circulou um pouco lateral às grandes movimentações da poesia embora tenha publicado na Távola Redonda. As suas antologias deram-lhe uma notoriedade diferente.


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MINA DE SAL


Meu Pai no grande silêncio
O que ouve desta vez?
Os cedros no meio do vento
E quem sabe? o mar talvez…
Se ele serve de semente,
A quatro palmos do chão,
Quem sabe lá se não sente
O direito à criação…
Mas não sente a Primavera
— Equinócio pontual —
É planta que não gera
Canteiro em mina de sal.

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HELDER MACEDO (1935)
Helder Macedo é o poeta que Jorge de Sena mais prefaciou - e Jorge de Sena não confundia amizade com outra coisa. Nascido na África do Sul, infância nas colónias, não surrealista mas homem do Café Gelo. Exilou-se e voltou depois do 25 de Abril para ser, por ex., Secretário de Estado da Cultura - da Pintasilgo? Poetas na Secretaria da Cultura, uma tradição portuguesa. Depois Harvard, Londres e não mais voltou. Romancista, ensaísta, homem  dedicado a escrever sobre os grandes nomes e ser ouvido sobre os mesmos. Ninguém liga à sua poesia, que raramente se encontra na net.

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ANUNCIAÇÃO



Espada dúctil de fogo
negro sol latejando na vertical
ave branca explodida no meu ventre
é sem partilha
o amor que me anuncias
nem é humana
ou tua
a sombra que cresceu sobre o meu corpo
e por mim se alongou
e me alongou num fundo mar
sem esperança
pois não há esperança no mistério revelado
e o que a carne concebe
é já divino

porque sem comando.



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LUÍS AMORIM DE SOUSA (1937)
Outro dos poetas exilados - talvez também porque nascido em Angola e nunca adaptado a um pequeno país onde só agora descansa, vivo porém ainda, em Cascais. Devemos-lhe ter sido o amigo 
de Alberto Lacerda que ainda hoje está a trabalhar no seu infindável espólio.


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UM OUTRO QUE NÃO EU


um outro que não eu
bem mais voraz
concreto 
e subtil 
te poderá depois talvez contar 
destes momentos cúmplices de agora 
perfeitos na intimidade 
da vaga dor de cabeça 

não te posso adiar por minha culpa 
não te posso invocar 
por excesso de altruísmo ou de rancor 

arquitectura fria 
dum gesto quase orgulho 
do que já lá não coube 
se nutre a tua imagem 

mais fácil do que tudo 
seria perdoar-me 


perde-se o vício
por falta de virtude



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CARLOS MOTA OLIVEIRA (1951)

Este homem escreveu um livro chamado "Livro das Coisas Santas", editado em 95 pela Fenda. Em 150 pp. e 258 capítulos transcreve frases de 258 papas, quase todos os já tidos! Um livro que explica que no que diz respeito a ser iconoclasta este homem é um campeão. Títulos de edições de autor em poesia? "Os portugueses são imbatíveis no terço", "Ao cair subtil da tua saia". Não consigo acrescentar mais nada.

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Amável é esta casa
e há sabores
de uma terra intranquila.
Por aqui brincam os meus textos.
Adultos e sofridos.
Por aqui também andam
as vírgulas de rapariga.
Amável é esta cama.



NUNES DA ROCHA (1957)

Uma espécie de Luiz Pacheco da poesia, bebe no surrealismo e joga entre a paródia e o lirismo e o escárnio puro e simples. Publica convenientemente muito na & etc.


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Senta-te e limpa os lábios.
Acende cada uma das lâmpadas
Dos meus olhos,
Passa a tua mão, a mais nova,
Sobre a minha testa.

Deixa-me com a noite colada às têmporas,
Crisálidas saindo pela boca
Como um deus egípcio;
Quando a manhã chegar
Mil anos de terra e esquecimento
Tornar-me-ão amante por superstição,
Aquele que por medo evocarás
Quando passeares o cão no jardim.

Antes de partires deixa o mapa,
Em rima cruzada, suspenso
Na porta do frigorífico.
O amor não é um íman.



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LUIS MANUEL GASPAR (1960)

Conhecido como desenhador e ilustrador, a sua poesia deve muito a algum Joaquim Manuel Magalhães e é detalhista - descritiva, visual, portanto, claro!


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Encontrei a doca e o toldo lilás
desarvorado. Não havia mais água
nos carris para tingir a camisola
translúcida, só e trémula a ferrugem

p'lo remoto coração. Deixei-o negro
em parapeitos usados, outra roupa
recebida num sufoco, veia rasa
ao voo dos lençóis. Apareces? leva

a luz do cerco, a barca certa e sabida
na toalha; toarei os teus retratos
pela noite, a espuma do vinho que vela

a vela incisa, a cabeceira trancada.
Fora, ao candeio, cruzei o patamar -
para a partilha das pétalas p'los cães.



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FERNANDO EDUARDO CARITA (1961-2013)

Poeta que quase só publicou no exterior mas que era professor de português em Agualva-Cacém. Go figure... Nasceu em Nisa, terra de que muito gosto.


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Há no amor uma qualquer força mortífera
Que põe os amantes um contra o outro,
Bastará que a libertem;
Há no amor uma qualquer força vital
Que põe os amantes a favor um do outro,
Bastará que a mantenham em cativeiro;

Há no amor uma qualquer força inumana
Que há-de preservar os amantes

De sucumbirem nas margens um do outro,
Bastará que a coloquem já onde o amor os não alcança.



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JOÃO ALMEIDA (1965)

Mais um vimaranense a publicar poesia discretamente nas editioras certas. Poesia medida, cortada, precisa.


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HEIMAT


Enquanto espero a subida das águas
Vou construindo de cabeça
O poema deste dia

Prédios para deitar abaixo
Escalpes de negócios clandestinos
Cães que hesitam a travessia

Os bárbaros chegaram
Governam com ferro e pandemias.



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