domingo, 5 de julho de 2015

Manhã, de Adília Lopes.

Gosto muito da poesia de Adília Lopes. Lembro-me da revelação que foi para mim o livrinho "O Poeta de Pondichéry". Que mereceu uma inclusão na exclusiva antologia "Sião", de Al Berto et al. Adília Lopes tem sobrevivido a atentados infames, como o famoso título "Quem quer casar com a poetisa", livro que canibalizava o estranho coração que Adília Lopes terá - para proveito próprio. Adília Lopes sobreviveu a uma moda e a uma publicidade com a qual conviveu e da qual se despediu sem crise e, com maior ou menor pontaria, continuou a publicar os seus "diários poéticos", sendo que "Manhã", este livro de 2014 editado pela Assírio e Alvim, é o último capítulo dessa actividade. Lembro-me de um sublime texto de Adília Lopes - naquela fase da moda - sobre a menstruação. Ora bem...

"Manhã" é mesmo uma espécie de diário poético. Tem fotografias de Adília Lopes quando jovem, e textos que as acompanham. Adília Lopes tem 54 anos. E tem mais coisas.

Nem tudo o que existe é poesia. E neste livro também é assim. Muita da poesia que por aí anda não o é. Quebrar frases e suspirar não qualifica. Mas a poesia pode surgir de muitas coisas. Adília Lopes mostra-nos os seus dias. Oferece-nos os seus olhos e algumas memórias. Aqui e ali jaz ouro. É preciso adquirir um hábito ao discurso de Adília Lopes. E entramos no livro: é "Manhã".

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NAMORAR

A minha avó dizia que eu namorava os brinquedos. Vi na montra da tabacaria da esquina uma chaleira de plástico às rodelas que encaixavam.Passei pela chaleira muitas vezes. As rodelas são de cores muito coloridas. Ainda hoje tenho esta chaleira. A minha avó acabou por me comprar a chaleira e disse: a Zé namora os brinquedos. Ando sempre a namorar. Fui sempre assim.

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PALAVRAS CARAS

Em minha casa, detestávamos pessoas bem-falantes, palavras caras. De uma vez, apareceu a prima Maria Lucília a dizer já não sei porquê: 
 - Fiquei muito confrangida. 
Passámos a chamar-lhe "a confrangida".
Sempre que aparecia alguém na televisão a declamar poesia ou a falar de poesia, desligávamos a televisão. 

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Escrever um poema
escavar uma toca

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