"Enquanto o carro se afastava lentamente, Edith mergulhou num estado mental algo regressivo. Pormenores da frontaria da casa despertaram-lhe a atenção como se os estivesse a ver pela primeira vez. A frontaria devia ter sido pintada, pensou, realmente devia ter mandado pintá-la. Depois, reparou na extraordinária graciosidade das lojas pelas quais passava todos os dias sem as ver: a agência funerária, a farmácia, a tabacaria com a discreta exposição de revistas para adultos, cujas capas, na sua maioria, mostravam raparigas curvadas para a frente e que piscavam o olho por entre as pernas, a casa onde se vendia a lotaria, com o seu amontoado de bilhetes rasgados a juncarem o chão. À medida que o carrro a transportava ao seu destino, reparou, com profunda nostalgia, no cipriota, vendedor de hortaliças, que emergia das profundezas da loja com um balde de água, que atirou para o chão num largo movimento em arco e que provocou em Edith um choque de prazer. Viu o hospital e os jovens de bata branca a subirem as escadas, o pátio de recreio, o infantário, a praça onde se vendiam plantas, um ou dois bares e uma loja de modas bastante simpática. Depois viu o Registo Civil e uma pequena multidão a conversar no passeio diante da entrada. Como um visitante de outro planeta, viu o seu editor e o seu agente, o primo vegetariano do seu pobre pai, vários amigos e alguns vizinhos. E viu Penelope, excitada, e cujo chapéu vermelho chamava a atenção de um ou dois fotógrafos, a conversar com o padrinho e com Geoffrey. Depois, viu Geoffrey. E depois, num relâmpago, mas de uma vez por todas, viu a tímida compostura de Geoffrey na sua totalidade.
Debruçando-se, sentindo uma calma extrema, disse ao motorista:
- Pode levar-me mais adiante, por favor? Mudei de ideias.
- Certamente, minha senhora - replicou, pensando que ela era uma das convidadas por causa do seu aspecto modesto. - Para onde deseja ir?
- Talvez dar uma volta ao parque? - sugeriu ela."
Sem comentários:
Enviar um comentário