terça-feira, 21 de março de 2017

Marco Martins, Nuno Lopes, São Jorge e Alice.

Nuno Lopes recebeu um prémio de interpretação em Veneza pelo seu papel em "São Jorge", a terceira longa-metragem de Marco Martins. Nuno Lopes já tinha sido o "osso" do primeiro filme do mesmo realizador, "Alice".

Revisitei "Alice". Começo por protestar pelas condições com que põem estes filmes para visionamento público no youtube. Piratas, façam a coisa como deve ser, já agora. 'Da-se! Nuno Lopes está 12 anos mais novo mas não se nota muito. O filme é o desaparecimento da única filha, de 3 anos, do casal Nuno Lopes/Beatriz Batarda. Lembro-me de - a custo, era então a minha filha única bem mais nova - ter visto este filme pouco depois de ele sair, e de me ter parecido um filme pouco espesso. A miúda desaparece e quê? Hoje percebo melhor a coisa: a miúda desaparece e... é isso! Marco Martins consegue prencher este terrível abismo - porque na realidade nada mais acontece de realmente relevante depois da miúda desaparecer, com vários mecanismos de ilusão, o teatro que com variável coragem o pai Nuno continua a fazer contracenando com Miguel Guilherme - parece ser uma comédia! -, a ilusão de reconhecer a filha noutra menina que aparece nas câmaras de vigilância que incessantemente são visionadas, a tentativa de suicídio da mãe, outra ilusão, nem assim a menina volta. Lisboa, a Lisboa cinzenta, é muito bem filmada, percorrida sem parar por milhares de pessoas - amigo, inimigos? O tempo é, sim, confirmadamente, o mais terrível dos inimigos. E é o tempo que faz fechar este filme, recolher as câmaras de vigilância, retirar os cartazes das montras com a cara da menina, que definitivamente desapareceu. A última cena do filme permite-nos uma saída? Talvez não. A criança - um rapaz - a quem Nuno Lopes "passa o trestemunho", pode ser a próxima vítima. Marco Martins, para escrever este filme, entrevistou a mãe do Rui Pedro, um rapaz de 11 anos desaparecido em 98 e cuja história se tornou pública. Hoje, em 2017, há um possível culpado do desaparecimento do Rui Pedro a cumprir pena. O rapaz, esse, não voltou a aparecer.



"São Jorge" é mais história. É uma história. Nuno Lopes/Jorge é um boxeur desempregado que tem um filho com uma brasileira que faz limpezas. Desempregado, vê-se na contingência de ir trabalhar para uma empresa de cobranças difíceis. É o duro que fica na segunda linha para assustar, talvez mais. O filme foi filmado nos bairros da Jamaica e da Bela Vista. O filme é portanto muito sonoro, muito escuro, muito étnico, mas também muito bom. São Jorge é o santo protector da medalha que Jorge traz ao peito. Nuno Lopes consegue transmitir por inteiro a bondade do personagem, que tenta fazer o correcto, o bem. Mesmo quando bate. Que a vida não está para santos, apercebemo-nos bem cedo. O filme fala dos anos da troika, do limbo legal das ditas empresas. Mas o que fica é um bom filme e uma interpretação soberba. Bem acompanhada, aliás.




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