terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Dos enterros e dos discursos.

Estive a ver um pouco do elogio fúnebre lido por Isabel Soares no enterro do pai. Um texto bonito, sentido, óbvio porque nascido numa filha que, pelo pouco que sei, foi companhia dedicada e perene dele. A expressão "elogio fúnebre" é funesta. Porque determina o tardio que são as palavras ditas e, também, o unilateral das mesmas. Por outro lado fugimos dos elogios em vida por parecerem uma antecipação daqueles.
 
Estive muito recentemente no enterro de uma familiar próxima. Não tenho irmãos, tenho primos. Que eu revejo, a maioria, nestas terríveis ocasiões. Culpa minha, não deles, porque refugiei-me saindo de Ovar, terra difícil. Falecera uma tia minha. Não falava com ela vai para anos. Que mereceu o elogio correcto e próprio do pároco da minha terra, por quem tenho grande consideração, amizade até. Um elogio simpático mas neutro, impessoal.
 
Recebi, porque me acrescentei à fila de familiares, de quem efectivamente fazia parte, dezenas de cumprimentos. Dividi as pessoas em mãos quentes e mãos frias. Tentei relacionar esse achado com a idade dos interlocutores, debalde. Fazia frio no exterior, é certo, o que confundia. Alguns faziam um esforço para me reconhecer, sem sucesso. Não me pareço em nada ao rapaz que era há trinta e cinco anos, em Ovar. A sua presença era, porém, em nada relacionada comigo mas sim com quem morrera e connosco enquanto família conhecida na terra. "É a vida!", ouvi repetidas vezes. Não concordo. Foi sim a morte. Pena tive não haver para a minha tia palavras diferentes e únicas como vi hoje à tarde acontecerem nos Jerónimos. Assume-se que "não faz parte". Como não? O enterro anterior em que estive foi de outro tio meu, este de sangue, e foi subvertido por um texto que a minha prima Teresa decidiu ler. Digo subvertido porque quase pareceu uma coisa fora do normal, uma heresia, acontecer a leitura. Nos filmes americanos é sempre assim, alguém sobe ao púlpito e diz umas coisas ora sentidas, ora pausadas, ora ambas as coisas. Uma últimas palavras que não o são mas sim as primeiras do processo que se chama "não esquecer". Porque é isso que acontece sempre, alguém morre e o melhor elogio que se pode fazer é saber que alguém não vai esquecer essa pessoa. E só assim a morte é vencida. 

1 comentário:

  1. Muito bem. Lembrei-me do nosso tio António. Continua a escrever. Abraço.

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