Regoufe não existe, portanto, é um sítio que vale a pena visitar. Mas cuidado... pode querer lá ficar a viver...
De Regoufe partem dois caminhos que são objectivos: o PR13 para Covelo de Paivó e o PR14 para Drave. Bom pretexto para, de carro, ir fazer um reconhecimento da base de partida. Arouca, Arouca, Arouca. Arouca de Baixo é a mais acessível Serra da Freita. Arouca de Cima é o Montemuro que fica para lá do Paiva, esse rio imerso em eucaliptais e gente que quer dizer que já passou nos passadiços. Arouca do Meio é a Serra da Arada e o rio Paivó, mais difícil de lá chegar. O caminho é sempre o mesmo, direcção Arouca, pouco antes derivar para Moldes, procurar a ponte que passa o Paivó na Celadinha de Moldes. Depois é subir a Serra da Arada, sentido S.Pedro do Sul, até encontrar um desvio que diga "Regoufe". As serranias de Arouca estão eucaliptadas ou despidas. Escuso de dizer o que prefiro. Pouco depois de começar a ascenção os eucaliptos acabaram. Os vales cortados mostram pequenas aldeias logo ali abaixo - Silveiras, por ex. Hora e meia depois da partida começamos a descer para Regoufe. O carro ficou à porta das Minas. Sim, porque aqui há as ruínas de umas antigas minas de volfrâmio, bem visíveis. Regoufe lembrou-me a idade que tenho, também porque é terra de muito descer - e subir. A pergunta que se faz ao entrar numa aldeia destas é "se está viva!". Os milheirais com irrigação automática ao fundo no vale e uma pequena oficina de reparação de automóveis - com a sua típica anarquia - á esquerda quem desce, disseram-me que sim. Apitando, o padeiro vinha distribuindo o pão - ao Domingo! Desço e desço e desço. Casas há de várias qualidades e idades e harmonias. Não interessa. Rodo para a esquerda e uma latada atravessa a calçada de pedra antiga onde galinhas penicam por entre a palha. Outra latada abaixo para a direita cobre outra rua onde patos procuram destino. Habitantes da aldeia - ou familiares de visita voltam do campo. Abstenho-me da fotografia e penso: "isto não existe". Há o som de água, há as casas, a latada, os animais, as vozes da gente. A tarde termina, nada está errado, o calor cede finalmente. Não estava previsto que Regoufe fosse assim, que fosse tudo isto. Atrás de mim um pequeno rebanho de cabras volta para casa literalmente trepando os pedregulhos que entraremos a aldeia. Numa varanda ali cima uma jovem atende um telemóvel. O padeiro volta a apitar, a rega ouve-se como um insecto que não para. Em frente a uma capela um terreiro cimentado para as festas que as haverá, cobre por alto o ribeiro da aldeia. Não importa. Os letreiros logo ali dizem que estou no km zero dos tais percursos que um dia farei. Há que subir, há que subir. Entro num café. O padeiro toma um copo de branco e peço uma água fresca à dona, completamente desprovida dos incisivos de cima. Um dia faremos o estudo de como a perda dos dentes pode contar alguma coisa sobre a história de alguém. O padeiro mete conversa: "Então um rapaz da minha idade mata a sede com água?" Regoufe a lembrar-me a idade que tenho. O Sr. Alfredo é padeiro em Reriz, Castro Daire - do outro lado da montanha portanto. Foi comando em Angola e só quando me questionou se "eu tinha lá estado" percebeu que eu era - um pouco - mais novo. Perguntou-me o que era uma guerra certa e uma guerra errada e eu não lhe soube responder. Disse que a diplomacia devia resolver tudo e assim não haveria mais guerras. Acabaria por se despedir de mim definindo-se como o "tolo de Reriz". Olhe que não, sr. Alfredo. Uma vez mataram cinco mercenários, cinco. Ele ficou de guarda a um deles toda a noite: "ele era mercenário, não era angolano, pois nunca falou, nunca disse nada, eu perguntava-lhe "onde é o teu quartel, doi-te alguma coisa" e nada, só disse de onde era no último suspiro". Não havia médico nem enfermeiros, nem para os nossos quanto mais, uma injecções e umas pastilhas para as dores, "eu nem gosto muito de lembrar isto" - no fim enterraram-se os cinco, eles não os enterraram, que eram comandos, veio a outra tropa enterrá-los, a cabeça de fora - não por maldade mas sim para que depois alguém os identificasse e soubesse, morreu o "x", o "y". "Deixa o homem ir, que ainda vai para o Porto", dizia a mulher sem incisivos de cima, e ele deixou, quis comprar-lhe dois pães para viagem, ofereceu-me três, o Sr.Alfredo, o padeiro "tolo" de Reriz. Podia ter-me dado boleia até ao meu carro, isso sim. O Sr. Alfredo contou-me ainda outra história que a internet depois me confirmou; as minas de Regoufe foram exploradas pelos ingleses, enquanto outras minas muito perto - as de Rio de Frades - eram exploradas pelos alemães. Parte da estrada que acedia às duas minas era, naquele tempo, comum, pelo que os que eram inimigos na Guerra em curso, dividiam sem mais os custos da manutenção da estrada. E pronto! Sr. Alfredo, um abraço!
Ao voltar à estrada de cima e ao entroncamento que nos pretende devolver ao destino, veio a curiosidade adicional de ir espreitar o Portal do Inferno, uma passagem estreita asfaltada que faz a ponte, parece-me, entre a Serrra da Arada e a Serra de S.Macário, os distritos de Aveiro e de Viseu. Para sul o rio Paivó, para norte Covas do Monte.
A volta foi feita exactamente pelo mesmo caminho. Uma chamada de atenção para Celadinha de Moldes: tem um bairro empinado no monte de uma dúzia e meia de casas quase a cair sobre o rio Paivó, bairrro para onde se entra só por um ou dois quelhos. Na estrada nacional os carros estacionados de toda a gente: compreende-se, onde os iam pôr?
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