sábado, 4 de fevereiro de 2017

East Of Eden, Smell of Eden.

Lembro-me bem de ser obediente há muitos muitos anos. Eram-me dadas tarefas e eu cumpria-as com devoção. Era o tempo das bolas de Berlim e o meu mundo era então bem mais pequeno. E ter nele uma lógica era bem fácil. Emprestaram-me "A Leste do Paraíso" de John Steinbeck, na clássica edição da Livros do Brasil e deram-me como trabalho de casa escrever uma sinopse, transcrever as partes que considerasse mais interessantes. Como se para exame. Assim fiz. Tenho uma memória visual desses escritos, como tenho memória de já ter sido a encarnação viva da inocência. Anos depois vi o filme, dirigido por Elia Kazan e com o Jimmy Dean e a Julie Harris. Esta faz de Abra, a jovem figura feminina que é o contraponto da maléfica Kate. 

Uma fala havia que eu julgava lembrar-me do filme, e que acontece no momento em que a lealdade  (e o que é o Amor senão uma forma de lealdade?) de Abra passa de Aron para Cal. Fui à procura dela. Adquiri da net o pdf do texto do livro e depois o pdf das falas do filme. A escrita pausada e compreensiva, amiga mas certa de Steinbeck voltou a atingir-me como, traduzida para português, me atingiu quando ainda antes de ser obediente li Bairro da Lata /Cannery Row. Steinbeck oferece-nos a dureza de toda a vida, o seu gume frio, como quem nos lê um lento poema. Um poema que nos sugere uma cura possível, uma saída possível. Lenta, repito. Cannery Row é um dos livros da minha vida. Já o li dezenas de vezes. Nesta minha busca percebi que Steinbeck não é para banhos de Stanislavsky, logo o filme não respeita bem o escritor. Adiante.

De qualquer forma não encontrei a frase que sonhara ouvir a Julie Harris dizer no filme e que era qualquer coisa assim como "I stopped loving Aron; I wasn't good enough for him; I was affraid that someday I would smell...". A expressão inglesa é portanto "to smell", verbo que é um insulto em início - e por aqui vamos. Vou então começar. Sei agora que inventei a fala. Resta-me explicar(-me) porque a inventei. 

Um dos desideratos da vida moderna é não termos cheiro. Assumimos que o corpo deve oferecer-nos uma base neutra e depois ou avançamos para o patamar do "lavado" ou seguimos em frente para o nível do "perfumado". Hoje por hoje isto parece-me uma patetice. Não nego um perfume - Egoiste Platinum, dupla piada privada - que ocasionalmente acrescento ao meu ecossistema. Mas antes, durante e depois de acordar, respiro, e expando-me. Vivo nisso. E refaço aquilo que é meu, um cheiro. Mistura de hábitos, gestos, movimentos, roupas, excessos, atritos, com um leve, mínimo, opcional, apenas localizável toque de Chanel - perfume inventado por J Polge e lançado em 1993. Base neutra? Engano. Nascemos a tomar partido. E transpirar não é mais do que um corpo em expansão. 

Expansão? Só pode ser bom!

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