quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Géricault e o filme Splendor In The Grass





Vai para uns anos fui objecto de estudo aturado por alguém que, para o fim, me rematou com esta frase: "Sabes o que tu és? Tu és um romântico!". Senti isto como uma espécie de insulto. 

A pintura romântica é uma chatice. Só hipérbole e espalhafato. Géricault, David, Delacroix. Friedrich. Lembro os olhos esgazeados de um cavalo numa pintura de Géricault. Delacroix ofereceu-nos A Liberdade a Guiar o Povo. Sabemos hoje que com um seio descoberto não se pode entrar no NorteShopping, quanto mais dois.

Se a pintura romântica é francesa ou alemã, a poesia é muito britânica. E aqui vem à colação os versos de Wordsworth de 1807 - retirados de uma ode com o simples título: "Intimations of Immortality from Reflections of Early Childhood".
E os versos são: "Though nothing can bring back the hour / Of splendor in the grass, of glory in the flower / We will grieve not, but rather find / Strenght in what remains behind."

Estes versos são o mote do filme "Splendor in the Grass", de 61, dirigido por Elia Kazan. O filme é ambientado no fim dos anos vinte, no início da Grande Depressão, mas na prática a fractura moral que o filme retrata mantinha-se em 61, pelo que o filme foi um sucesso. 

Warren Beatty faz o seu primeiro filme a contracenar com a já experiente - mas tão novinha - Nathalie Wood. O filme começa num carro junto a uma represa - a velha metáfora do correr das águas. Beijam-se. "Deanie, please!" "Bud, I'm afraid! Don't, Bud!" Antigamente as boas raparigas iam para o céu, perdão, para o casamento. As raparigas más não iam a toda a parte, iam sim para a traseira de muitos carros. Isto é o filme, apresentado com o estilo colorido e estridente de Kazan. Beatty/Bud e Nathalie Wood/Deanie estão perfeitos. Dez minutos depois da cena na represa a mãe de Deanie está a interrogá-la insistentemente sobre o que aconteceu. Deanie responde: "No, Mom, we haven't gone too far!" mas depois pergunta: "Mom... is it so terrible to have those feelings about a boy?". 

O resto do filme não resolve o impasse "físico" dos nossos amigos. Há muito ruído à volta da irmã do Bud e do pai do Bud, etc. Nada que na retina fique. Bud acaba a estourar o dinheiro do pai em Nova Iorque e nas putas, Deanie acaba no manicómio (dois anos? OMG!!!) depois de ter um déclic (que corre mal) correndo nua pela casa dos pais. A Grande Depressão acontece, A página vira-se. Deanie volta a casa dos pais. Encontra as velhas amigas que estão - Deanie não - algo mais rechonchudas, nitidamente mais velhas. A Deanie o manicómio fez-lhe muito bem, e o chapéu que transporta na cabeça quando volta à pequena cidade é efectivamente muito bonito. Terá conhecido um rapaz no Júlio-de-Matos-equivalent, que estuda Medicina e quer casar com ela. Deanie no entanto quer VER a sua antiga paixão, quer testar-se. Queimar-se-á? Os olhos de Nathalie Wood valem milhões.

Não revelo o fim deste filme - quero assim honrar o insulto que me atribuiram vai para uns anos. 

Um carro à beira-rio é um carro à beira-rio é um carro à beira-rio. É real, é pulsátil, tem aquela lógica de uma cápsula no espaço-tempo, pode acabar rápido, pode durar todo o tempo que resta e acabar por dar bom uso a toda a água de todos os rios. 

PS.: Não fomos feitos para viver dos restos, ok, Wordsworth?

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