Jacques Tati não é Hulot. Ele afirmou-o várias vezes. O perfeccionismo confesso de Tati não é traduzido na dispersão bem intencionada de Hulot. Jacques Tati pertence à dezena de cineastas franceses indispensávdeis à história do cinema. Falemos então de Hulot.
A história do cinema tem três grandes mimos: Charlot, Buster Keaton e Tati. A filmografia do personagem Mr. Hulot é composta por quatro filmes quatro: "Les Vacances de Mr. Hulot", "Mon Oncle", "Playtime" e "Trafic". Hulot tem uma mensagem para o mundo: que o mundo não se tome a sério. O mundo, subentende-se, dos adultos. Ao qual Hulot não pertence. Nos filmes de Tati há sempre crianças e cães a contrastar com a mundo dos adultos, crianças e cães. "Mon Oncle" termina com uma criancice. "Les Vacances" termina com a maior criancice de todas, um fogo de artifício fora de controlo, e a manhã seguinte, onde Hulot só tem direito à despedida da americana e do marido atrasado. "Playtime" termina com um último gesto romântico, ou não seja o romance, sempre, uma criancice. Já "Trafic" não, o último plano é uma geometria de carros e guarda-chuvas com gente por baixo, Tati a elevar o discurso final do seu último filme para nos lembrar "Playtime".
Crianças e cães: seria tudo tão mais simples se fôssemos como eles. Esta é a opinião de Hulot. Mas Hulot glorifica também a França velha, o francês velho, que ainda não evoluiu, não comprou, não se vendeu ao "admirável mundo novo" do pós-guerra. O francês que discute, se abraça, faz barulho, engana, ajuda, dança, gesticula, queixa-se, vai fazendo ou nem por isso. Um francês que Hulot mostra ser uma criança grande, em vias de extinção. Hulot pretende lutar contra a extinção desse francês antigo. Em "Trafic" ainda inventa a sua existência através do desenho de um carro-camping "bestial". Mas neste filme, francês antigo... já só Hulot.
Tati filmou um último "filme", que nunca teve projecção nas salas. Dá pelo nome de "Parade" e é a filmagem dum espectáculo mais ou menos ao vivo de circo e music hall numa sala de espectáculos em Estocolmo. Assim como Hulot em "Trafic" já ensaiara uma emigracão para a Holanda, país com costumes algo mais liberais que a França, desta vez Tati emigra para a Suécia. Emigra mas não vence: os homens só podem voltar a ser crianças num ambiente fechado e especial, o ambiente de um circo. "Parade" onde, com ao mesmo tempo nostalgia mas também com uma qualidade notável, Tati, com 67 anos, faz várias rábulas sensacionais.
"Parade" termina com duas crianças a brincar no set desfeito do espectáculo enquanto os pais, parados, apenas observam.
Sem comentários:
Enviar um comentário