"Quando o cadáver, levado pelos maqueiros, entrou na cidade, as casas afastaram-se, redemoinhando como folhas secas levadas pelo vento. As ruas alargaram, misturaram-se, perdendo-se umas das outras, abrindo-se como praças. Os maqueiros voluntários pousaram a carga no meio de uma que nunca tinham visto, pavimentada de mármore, que através de umas escadas deixava chegar ao mar. Pelos quatro lados. Sim, era uma ilha. Fez-se noite e a luz do farol lambeu as águas. Do veleiro ancorado na baía chegava um homem, caminhando sobre as vagas. Era muito alto, envolto numa capa negra. Os seus olhos tinham uma luz estranha. Para onde olhava, via-se um pequeno círculo dourado, que ia para onde queriam os olhos, iluminando as coisas que desejava ver.
- Indocumentado! - explicou-lhe o comissário de estrangeiros, que falava de uma varanda que se separara de uma casa que viajava para o mar.
O homem da capa negra puxou o lençol que cobria o cadáver. A sua cabeça descansava numa almofada coberta de seda vermelha, apoiando a face esquerda na palma da mão. Na mão direita agarrava um livro fechado, onde um punhal, com a cruzeta adornada de pedras preciosas, marcava o lugar onde estava a ler quando adormeceu. Ou morreu. Vestia de branco e verde. Os candeeiros da praça, que se desprendiam das suas esquinas e vinham revolutear como pássaros sobre ele, permitiam contemplá-lo. Tinha o cabelo negro comprido, muito bem aparada a pêra provençal no rosto redondo e pálido. Respirava? Dir-se-ia que respirava pausada e tranquilamente.
- Quando disparámos tinha umas calças encarnadas!"
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