quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Serge Abramovici

Serge Abramovici / Saguenail viu publicada uma entrevista sua em 2010, muito interessante, dentro dum projecto de investigação do CIAC  - "Novas e Velhas Tendências no Cinema Português".
A entrevista é de André Gil da Mata.
Cito:

"O estado actual do cinema português, para mim, está ligado ao seu contexto político-social. Está ligado à geração que, graças ao 25 de Abril, pôde chegar ao cinema e tentar impor a ideia de um cinema "diferente"; num primeiro tempo numa vontade de intervenção, num segundo tempo numa vontade de originalidade. Essa geração está a morrer, o João César Monteiro, que era talvez o melhor representante dessa geração, já morreu, e o José Álvaro Morais... Ao mesmo tempo, dentro dessa geração teremos aquilo a que posso chamar os loucos, tipos que entraram em paranóia e quiseram, num país como Portugal, fazer cinema talvez não à americana, mas à espanhola, pelo menos; advogaram a ideia de um cinema comercial sabendo perfeitamente que os recursos em termos de distribuição do país invalidam completamente essa hipótese. Porque cinema comercial não é só uma história comercial e a utilização de receitas, é também ter um público e os meios adequados a esse tipo de cinema — coisas que não existem."

"E Portugal sempre sofreu de outra coisa, como dizia o Luís Pacheco: "não era um país de avançados era um país de avençados." Eu vi, durante 30 anos, os meus colegas passarem mais tempo em intrigas no ICA e à espera de um subsídio, do que preocupados realmente em aprender pura e simplesmente o ofício. A maior parte dos cineastas portugueses são eternos debutantes. Quem faz um filme de cinco em cinco anos vai levar três vidas para saber um bocado do ofício."
"Geralmente diz-se que o cinema português é muito palavroso, mas não é. O cinema francês é tagarela, mas no cinema português o que é impressionante é a solenidade da palavra. Há sempre mais silêncio do que palavra, e essa palavra é sempre quase ritual, o que exclui o cinema português de um certo realismo cinematográfico. Cada filme é quase uma cerimónia."

"Muitas vezes há deficiências técnicas. No cinema português, o som, em particular, tem sido pessimamente tratado, pouquíssimo cuidado. Estive a rever filmes do Paulo Rocha, do António Pedro Vasconcelos, que têm a ver com o equipamento das salas, mas o som é pouco audível. O que é terrível, porque os filmes portugueses em Portugal não são legendados, e o espectador português não consegue apanhar o que os actores lá estão a dizer."
"A tentação na minha geração era o europudding, porque permitia mais dinheiro. O World Cinema não sei bem o que é."


"Defendi e defendo a proposta do endividamento para se fazer cinema. O produtor que acredite no projecto, que o faça levar para a frente sem subsídio. Se o pessoal acreditar realmente nos projectos, não há motivo para não se fazer uma curta, ou um terço de uma longa, e depois sim, ser avaliado e, caso ganhe o subsídio, serem reembolsados os custos reais."

"O problema é que as escolas de cinema, por toda a Europa, são formadas por pessoas de televisão. A televisão não tem rigorosamente nada a ver com cinema, é preciso meter isso na cabeça. Talvez quem melhor definiu isso foi o Régis Debray, quando analisou, em mediologia, a diferença entre imagem ampliada e imagem reduzida, a diferença entre sala de teatro e outros locais. O cinema faz coisas para tentar ficar, para poderem ser vistas daqui a vinte anos, enquanto a televisão faz coisas para serem esquecidas logo, para não serem vistas no dia seguinte. São funções e funcionalidades, e logo práticas e estéticas, totalmente opostas. E o facto de ensinar cinema, mas pensar que a profissionalização vai ser na televisão, é falsear completamente as coisas. E a lei do emprego, vigorando desta forma, leva a que formemos pessoas de televisão. Por isso as escolas de cinema são formadoras de profissionais de televisão."

"Mas a minha ideia também é a de que não se forma um artista. Um artista é uma pessoa que de alguma maneira não está satisfeita com o estado das coisas. É alguém que está insatisfeito ao ponto de consagrar a sua vida a criar outra coisa. Isso para mim é a definição do "artista". É um chato, um inútil. Esta minha concepção do artista não tem nada a ver com a arte como mercado, a arte como lugar de reconhecimento. Não pode haver carreira nisso. Ora, os grandes cineastas são artistas. A raiva, o desespero, que está dentro desse "artista" e que o leva a criar, ele ou os tem ou não tem, ninguém lhe vai poder ensinar isso. E esse há-de safar-se, qualquer que seja a escola por onde passe. As escolas são boas na eventualidade de um óvni desses passar por lá. O resto, e eu estou a dar aulas neste momento, são turistas bem intencionados, que colocam palas. Na minha primeira aula disse aos alunos: "Até hoje ainda não saiu nenhum cineasta desta escola, vocês são 30 e tal, o que vão fazer mais tarde na vida, já que não vão fazer cinema?" E eles respondem que querem fazer cinema, mas eu digo que os que passaram por lá antes também o queriam... Estamos a labutar nesse mal- entendido."

Viver é um acto de resistência e a resistência ao cinema comercial e à televisão faz parte. Apesar de tudo, quem gosta de poesia não vai procurar um livro na secção de best-sellers. Mas no cinema, o cinéfilo, sim! O grande responsável pela baixa qualidade dos filmes são os cinéfilos. Eu tinha uma revista de cinema. Decidimos boicotar a revista quando os próprios colaboradores não iam às salas. Viam os filmes nos VHS’s da altura."
"Mesmo quando estás com quem amas, o tempo é contado, não há tempo para preguiças. A vida é curta de mais."


 
 

Sem comentários:

Enviar um comentário