domingo, 23 de outubro de 2016

De Águas Santas para Matosinhos - parte quatro.

Conduzir é bom. Fornece um caminho pelo qual avançamos como se fosse uma decisão só nossa. Não é.

E voltemos ao nosso caminho. Pela direita temos a Rua da Lagoa (e onde esteve esta lagoa?). Cruzamos a Avenida Calouste Gulbenkian (conhecido amigo da Senhora da Hora) e apanhamos a Rua de Sendim o que equivale a dizer que estamos a entrar em Matosinhos. Em Sendim está o cemitério da cidade mas, mais importantemente, o tanatório. Tomei o primeiro contacto com os tanatórios em Espanha. Lá fazem-nos feios, suponho que de propósito. Habitualmente parecem minimercados a quem mudaram o propósito da construção dias antes da inauguração. Ou bunkers. Não sei como será a coisa em Matosinhos mas nos tanatórios em Espanha o elefante na sala da morte é quase invisível: o caixão está reservado ao lado e podemos ou não ir admirá-lo - uma mariquice. Lembro-me do Armando Urger na capela funerária ali em S.Mamede: no meio da sala, como cumpre, como era merecido. Mas fim desta conversa, não esqueçamos que levo no banco de trás uma criança.

Sendim fica num alto de onde antigamente poderíamos olhar para o que seria uma curta bacia de chegada do Leça ao mar. Muito antigamente, pois a versão de hoje do Porto de Leixões já não é a primeira, o Porto de Leixões tem a sua antiguidade. Rodamos para a esquerda e depois para a direita e entramos na Rua de Alfredo Cunnha (não o fotógrafo, claro), aquela que desce para o centro cívico de Matosinhos. Matosinhos tem a estrutura de uma pequena cidade com o jardim central, adossada a premiada Câmara Municipal e por um braço de avenida para a direita chegamos ao Senhor de Matosinhos. O Senhor de Matosinhos é sede da poderosa Misericórda (e em terra de pescadores que falta faz...) e tem um parque interessante anexo, mas o jardim de Basílio Teles, o quadrilátero central da terra e que fica junto à Câmara. é mais interessante. Já o conheci com os caminhos em terra batida - asfaltaram-nos criminosamente. Os matosinhenses usam este parque em abundância, sobretudo ao fim da tarde e no fim-de-semana. Os pais tiram bilhete nas manhãs de domingo para que os filhos usem os poucos baloiços que existem. Ou não tiram e daí surgem generosas discussões. Em frente está a Ferreira onde, depressa ou devagar, nunca se come mal. E é isto, podemos parar e, rodando, temos onde brincar, onde sentar, onde rezar, onde comer. Onde jogar umas cartas, onde dormir na relva. Porque tudo isto por aqui acontece; Matosinhos não se esconde. "Homem simples, mas inteligente, foi benemérito ilustre até ao momento em que inicia carreira no sector das pescas, para o qual não estava preparado e que, pouco a pouco, lhe consumiu os bens." Eis o que se lê no site camarário. Falo de Ló Ferreira, o homem que dá nome à rua seguinte. Oriundo do Douro e emigrante no Brasil depois de ter trabalhado no Porto de Leixões, mandou construiu o Teatro Constantino Nery - o nome sendo do governador de São Paulo que o tinha ajudado a fazer fortuna! Go figure...E o Bairro dos Pescadores...Em Ló Ferreira fica o Tapas e Papas e o Lua, um restaurante e um café. Ainda há poucos anos a minha cara aparecia no site do Tapas e Papas. Não vou agora verificar. No Lua o Alberto conversou quase tudo comigo antes de fugir para a Madeira. É agora mister seguir por Tomaz Ribeiro, e o "z" é homenagem à antiga grafia de um antigo poeta. Já não existe a confeitaria Dallas que, na esquina. fornecia os melhores croissants. Foi absorvida pelo Mauritânia, uma instituição da comida em Matosinhos. Noutro Mauritânia, uns metros atrás, jantei uma vez com uma "geração médica", o João, o Albino, o Luís. Acho que esse jantar não é para esquecer - até porque acho eu que foi algo mais do que um jantar. Este Mauritânia da Tomaz Ribeiro servia quartos de dose. Na vida nunca será suficiente um quarto de dose, mas à mesa do Mauritânia era assim. E, por uns bocados, ficávamos contentes e convencidos que com pouco podíamos seguir em frente. A generosidade dos portugueses é um mito: não existe. Por isso lembro bem o João a carregar um móvel escada acima. O João é das pessoas mais generosas que eu já conheci. Depois, na Brito e Cunha ou seja em frente ao Mauritânia a Garagem Leixonense do Senhor Sousa. Este homem merecia não uma referência de rodapé mas sim um livro. E prova que os quadros de desorientação pos-operatória são mesmo transitórios. Brito Capelo está tomada pelo metro. Na esquina esquerda estão os Bombeiros Velhos de Leixões. Conheci-os como um restaurante. Explicar Matosinhos é como explicar tudo o resto, depende por onde se tome. Já esqueci o nome do restaurante, dos donos e do filho do dono que podemos considerar que era um amigo. Era um restaurante onde se podia comer mal - mas nunca comi mal. Onde podia haver uma zaragata - muitas - mas sempre me trataram bem. A minha filha tinha acesso livre á cozinha - o que podia não ser obrigatoriamente bom, mas era. Matosinhos é isto: pode ser mau, pode ser bom. Depende de com quem te encontres, de quem te guie ou te explique por onde ir, os leixões que é preciso evitar para conhecer o bom porto.


E, girando à esquerda, estava o infantário, o Pestinhas. A miúda que se fazia passar por educadora de infância e que não o era fez a minha filha muito feliz. O que só demonstra que há mentiras que são óptimas verdades, e que há verdades que às vezes não chegam. 



Posto isto, Nelson, obrigado mais uma vez pelo café da passada qunta-feira, e pela inesperada dedicatória. E és das poucas pessoas que me podes perguntar tudo o que quiseres. Outra coisa é que te responda. 



Respondi? Talvez sim, talvez não...

1 comentário:

  1. Há perguntas que são mesmo respostas. E estes cafés recarregam baterias que não se vendem nos chinocas. Grato, eu. Muito.

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