Não acredito em Deus. E acredito em poucos homens. Acredito no Padre Nuno.
Há mais de dez anos, convidado para almoçar no Jacinto porque iria oficiar o casamento de uma pessoa amiga, o Padre Nuno negou-se a furar a fila para o almoço que nós, médicos, furávamos diariamente para ultrapassar a estudantada que multiplicava o movimento naquele que era então o "restaurante" mais movimentado da Cidade. Para o Padre Nuno ultrapassar alguém numa fila era uma impossibilidade.
Pouco antes tivera a única longa conversa com ele, sobre uma perda comum, a de um Amigo dele, a de - para mim - o mais interessante Poeta dos anos noventa portugueses: o Daniel (Augusto) Faria.
Que morreu - tão Novo - neste Hospital. Se calhar foi o Padre Nuno a ministrar-lhe os Últimos Sacramentos.
O Padre Nuno vai para Fátima - para ser capelão do Santuário. Talvez seja Fatíma o único sítio do país com mais Doença do que o meu Hospital. Só assim entendo.
Aqui fica:
"Vejo o pedreito à chuva a abrir aquedutos para o coração
Vejo o pastor a alinhar orifícios na cana do junco
Vejo os gestos do mundo dispondo o silêncio"
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"Voz pisada como o vinho
De onde bebo
A perda dos sentidos
Silêncio tão pisado que não verte
O verbo
Silêncio encruzilhado
Na voz do homem calado no caminho"
Daniel Faria, Dos Líquidos. 2000.
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