O Porto é uma cidade pequena, sejamos sinceros. A sua população há 30 anos que diminui. É de um quarto de milhão de habitantes. Na vizinha Espanha, com mais habitantes há uma dezena de cidades ou mais. O Porto necessita da rede suburbana que o rodeia para recobrar fôlego, fazer peito. E são poucos os portuenses verdadeiros, afinal. Até porque, retirados para o subúrbio serão apenas uma minoria. A maior parte dos suburbanitas vieram do resto do Norte do país, atraídos pelo ensino, pelo emprego. A rede suburbana que abraça a cidade do Porto tem capítulos, subdivisões, linhas que antes eram bem claras mas hoje são apenas detalhes, solavancos num todo contínuo de casario e gente, gente com um querer especial, bem mais firme do que os nossos citadinos, amolecidos por esta história do Património Mundial, o Turismo e tal e coisa...
Vejamos por exemplo a EN 208. Descendo da Santa Rita - onde uma doente minha uma certa vez com cravos pretendeu curar-me umas verrugas - chega à ponte sobre o comboio da Palmilheira e - puff! - saímos de Ermesinde e entramos em Águas Santas. Não só a Maia nos obriga a sorrir mas transforma logo possessivamente a EN na Avenida do Lidador. Confesso-te, Nelson, que, porque atrasado, nem me lembrei que já ali vivi. Quem puxaria para ali uma Rua Camilo Castelo Branco... Mas este mundo dá essas voltas todas, e finalmente tenho-me dedicado a ler o meu Camilo, so... A Avenida do Lidador dirige-se ao Alto da Maia. Que seja um alto é bem prático. Várias vezes, por mau feitio do meu carro de então, caminhei a pé até ao meu emprego, o mesmo de hoje. Se fosse a subir teria sido impossível. Corim, Forno, Giesta, Triana, Areosa. Os arredores do Porto mudam de nome cada duzentos metros. A minha filha conheceu muito bem "os" Modelo que ficava(m) ali em frente. E havia uma Pizzaria na esquina. A dono era simpático. Sempre achei que a pizzaria era um negócio de fachada e que na realidade ele era um traficante de droga. Uma ou duas zaragatas nocturnas inespecíficas só fizeram acumular as minhas suspeitas. A zona de que falo é a Granja - outro nome. Entretanto forneceram-lhe algum verde. A urbanização de que falo e onde vivi era conhecida pela "dos Sonhos". Curioso nome. O meu Citroen AX - carro mítico - morreu ali atrás, mais de 280000 km de vida, a Câmara da Maia recolheu-o para abate. Na realidade o conta-quilómetros dele parara durante uns meses, a cause d'un petit accident... posso bem especificar que foi em 96; portanto quilometragem completa desconhecida. Mas, rodando, com pressa ía, Nelson, atrasado mais uma vez para tomar contigo um café.
No Alto da Maia poderia rodar à direita e, seguindo pela Rua Dom Afonso Henriques, estaria a rodear por fora a mole imensa que é Ermesinde, passando pela Gandra e seguindo até Ardegães. Águas Santas, Ermesinde (com Alfena) e Rio Tinto (com Baguim): uma cúspide que encabeça o Porto e que lhe fornece mais cento e trinta mil almas - não era assim que se dizia antigamente? Na Gandra viveu um bom amigo meu, em cuja casa dormi algumas vezes. O prato especial daquela casa era almôndegas. Acho que ainda hoje esse meu amigo não sabe o quanto gostei de com ele privar nesses antigos e selvagens anos. Vi com ele o Sakamoto no Coliseu em 96. Foi uma boa forma de dele me despedir. Mas no Alto da Maia o melhor é seguirmos em frente, pela Rua do Mosteiro, e começarmos a descer. Sem saber - as casas cobriram tudo - estamos a descer para o Rio Leça. Ao fim de algum tempo uma elipse permite-nos derivar para a direita. Há ali um Centro de Saúde - onde a minha filha levou a primeira vacina portuguesa. O nome do Centro de Saúde é dum autarca que então ainda vivia, quando da atribuição do patronímico - odiosa prática. Cinquenta metros e eis-nos no Parque de Moutidos. Mas esta não é sobre estes cafés que às vezes tomamos.
A Rua do Mosteiro é o começo de uma estrada que nos vai conduzir até Matosinhos. E que durante uns meses me levou, com uma menina atrás levada, até um infantário na Rua Brito Capelo. Porque, a viver em Áuas Santas, Matosinhos seria a próxima paragem, ainda não se tinha decidido onde com precisão. O primeiro infantário foi uma casa de alegria. Descobriu-se depois que a educadora não o era. A Cata nunca se queixou disso. Morava em Pedrouços - que também fica aqui perto. Anos e anos e anos e anos a transportá-la: à criança menina. E a mil e uma partes. Ainda é assim. Mas estará a coisa por pouco, resvés Campo de Ourique. Há várias explicações para esta engraçada expressão. A mais gira tem a ver com o maremoto que compôs o terramoto de 1755. O trajecto que mais lembrarei é este: Águas Santas-Matosinhos. Que vou recriar. Nelson, não adormeças.
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