quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Da exposição que não consegui ver.

Fui até Serralves para ver os Mirós. Apercebi-me pelo caminho de que não era o único. Quando lá cheguei uma fila de umas cinquenta pessoas esperava para comprar bilhete. As mordomias para os Amigos de Serralves - que sou - de grilo. Há anos que Serralves não abre a primeira bilheteira. A quantidade de pessoas merecia.  Às vezes parece-me que Serralves acha que nos faz um favor ao existir. Adiante.



Miró faz daquelas pinturas que nos fazem pensar: "o meu filho de cinco anos faz isto". Miró é um dos mestres da pintura do século XX. Quando a pintura ameaçou esgotar-se no século XIX - parecia que tudo o que se podia pintar já tinha acontecido, apareceram os Impressionistas. Os Impressionistas são hoje hiper-populares porque "ainda se consegue entender o que pintam" e usam "cores muito brilhantes e alegres" (e Degas?). Porém, a sua pintura era sem dúvida imperfeita, irregular, e "transformava" a realidade de uma forma decididamente nova. Claro que a pintura sempre fôra uma interpretação: Caravaggio não pintava como Vermeer que não pintava como Velazquez que não pintava com Boticelli. Mas as "inflexões" que eram dadas ao que aparecia eram... subtis. Ora mais cor, ora mais escuro, a composição rematada assim ou assado... Os Impressionistas foram efectivamernte revolucionários. Mas o que aconteceu nos 50 anos seguintes foi um apocalipse de que o Impressionismo foi apenas o prenúncio. E a pintura pareceu cada vez mais "imperfeita", dado que progressivamente o quadro passava a ser o sujeito, o nó, o centro, e o representado foi perdendo-se enquanto referente. Como efeito lateral e consequência lógica nasceram o Abstraccionismo e o Cubismo: este uma completa reinvenção dos objectos a serem pintados na tela, de uma forma tal que eles ficavam irrreconhecíveis. O cubismo pareceu um ponto de não retorno mas não, mil e uma possibilidades continuavam a abrir-se, e a tela continuou por muitos anos a ser o território das mil e uma invenções. Portanto a pintura de Miró foi inventada do nada por Miró. E enquanto "o meu filho de cinco anos" nunca teve como objectivo inventar nada, Miró sim. A pintura, como toda a Arte, passou a depender de uma intenção, de um projecto visual. Por isso a tão imperfeita pintura de Cézanne - carregada com a forte melancolia dos seus azuis - nos domina. Julgo já ter contado que o meu fascínio por aquele que é hoje o meu pintor favorito do século XX - Paul Klee - nasceu da minha incompreensão juvenil da sua pintura tão simples e "primitiva". Paul Klee, o arquitecto das pinturas de pequenas dimensões, desenhadas e depois aquareladas com apenas as cores suficientes. Que este caminho conheceria um fim debate-se hoje: o quadro preto de Malevich? O azul de Yves Klein? Ceci N'est Pas Une Pipe de Magritte? O urinol de Duchamp? O chapéu de Beuys? A arte hoje é só e apenas a mensagem que emite. Por isso um quadro só preto pode ser mais importante do que uma Anunciação da Virgem. Por isso compreendo o fascínio pelo tubarão enfiado num aquário "especial" de Damien Hirst.




Por isso - num dia de menos agitação populacional - irei ver os Mirós.   

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