terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Agostinho, o ano de 69.

O ano de 69 foi realmente o ano em que Agostinho se apresentou ao mundo. Em Portugal e no Sporting foi ganhando todas as provas em que entrava. Era conhecido pelo “Quim Cambalhotas” porque fartava-se de cair. Mas ganhava na mesma. Na Frimatic de Gribaldy foi primeiro “treinar” para a Volta ao Luxemburgo para depois avançar para o grande desafio, a Volta a França. A Volta ao Luxemburgo é um corrida de pouco menos de uma semana que, na prática, é uma sucessão de etapas com relevo variável mas não muito duro – o Luxemburgo não dá para mais - e que pode – ou não – ter um contra-relógio para “alargar” as diferenças. A sua localização no tempo – aproximadamente um mês antes do Tour – faz dela uma alternativa para preparar o Tour, sendo as outras alternativas a Volta à Suiça. o Dauphiné e o extinto Midi-Libre. A Volta ao Luxemburgo já foi, portanto, corrida por Merckx, Hinault, Armstrong. Em sessenta e nove foi Agostinho. A competição então presente era sobretudo de roladores. Ganhou Peter Post, um holandês de boa casta, porque Agostinho numa etapa se distraiu - ainda não sabia da poda - e falhou um corte no pelotão, perdendo tempo. O contra-relógio ganhou-o com boa vantagem, o primeiro de muitos. Agostinho “dera boas indicações” , como se costuma dizer. O Tour de 69 foi o Tour da há muito anunciada “entrada” de Merckx em França. Merckx, hoje unanimemente considerado o maior ciclista de todos os tempos, ganhara categoricamente o Giro de Itália em sessenta e oito – a sua primeira vitória em corridas de três semanas – e fôra polemicamente expulso do Giro de 69 por doping. Merckx foi para este Tour decidido a arrasar a competição e assim fez. E Agostinho? Ninguém o conhecia e a equipa de Gribaldy era relativamente modesta. Um dia arrancou e ganhou uma etapa. Outro dia arrancou outra vez e, apesar de agora o pelotão – Merckx e os demais – reagir já com preocupação, voltou a ganhar. As descrições dos jornais da época são deliciosas. A força de Agostinho saltava à vista, a sua falta de estilo também. Escrevia quem viu que cada curva (mal) feita era ou parecia uma queda iminente. A segunda vitória foi imediatamente antes do início da grande montanha, e aí Agostinho pagou o esforço, atrasando-se. Porém no resto do Tour ele conseguiu subir com os primeiros e voltar a mostrar as suas qualidades de contra-relogista. Terminou oitavo – e foi considerado unanimemente a revelação da prova – isto porque a vitória de Merckx já estava prevista. Merckx terá dito: “quando vejo Agostinho a ir para a frente, ataco eu, antes que ele ataque.” O que terá surpreendido o ciclismo terá sido o aparecer assim do nada – e já com vinte e seis anos – de um corredor tão bom a rolar como a subir. Fazendo umas continhas "minhas" Agostinho foi o nono melhor contra-relogista e o nono melhor trepador – não indo aos pontos mas aos tempos nas etapas mais empinadas - de 69. No conjunto deu no que deu. Depois do Tour Agostinho podia ter ficado por França a ganhar dinheiro nos "criteriums" de verão, como todos os outros. Preferiu voltar a Portugal para ganhar a Volta, a primeira que ganhou e a primeira que depois perdeu por doping. Foi assim todos os anos até 73, para grande prejuízo monetário seu, depois zangou-se e não voltou à Volta – quando perdeu a 2a pela mesma razão. Antes do Tour tinha ganho o Campeonato de Portugal - no total foram seis anos seguidos, até 73 também. Acontecida a Volta, Agostinho voltou a França e ao circuito internacional para curar as mágoas e foi outra vez 8° em Montjuic - Barcelona, 5°na similar "A Travers Lausanne", 5° no GP des Nations, então o campeonato do mundo “oficioso” de contra-relógio – onde caiu e não terá gostado, só lá voltou mais uma vez, e terminou o ano com uma vitória, no então muito conhecido Trofeo Baracchi, em Itália, uma prova de CR em dupla, onde correu com um outro grande ciclista belga, Herman van Springel. Para enquadrar bem esta vitória, o 2° par tinha o dinamarquês Ole Ritter, recordista da hora, e o 3° par era constituído pelo italiano Boifava e… Merckx. Agostinho tinha chegado ao ciclismo pela porta grande e ia demorar quinze anos a despedir-se dele, da forma que sabemos. PS: a palavra doping apareceu aqui duas vezes. Nestes tempos antigos o doping era… estimulantes. Agostinho foi apanhado quatro vezes, duas em Portugal e duas em França. Este doping, usado praticamente por todo o pelotão, era de outra “grandeza” comparado com o de Armstrong e cia. Merckx também foi "apanhado", Zoetemelk, Gimondi... A frase que então se usava era “não se consegue fazer de um burro um cavalo de corrida” e, à parte todos os riscos inerentes e que chegaram a matar ciclistas, era verdade. Os tempos da EPO vieram desmentir completamente esta frase.

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