domingo, 27 de setembro de 2015

Ás de Ouros.

Tive o prazer de trabalhar vários anos com a sra. enfermeira Antónia, no piso 8. De vez em quando ela dizia-me que me ia pedir para ver um amigo com muita gordura no sangue mas com alguns "problemas" e, portanto, estava internado no Conde Ferreira, nunca percebi se era dela amigo pura e simplesmente apenas porque ela também trabalhava no Conde e muitos dos doentes mais frequentes lá da casa eram para ela... amigos. 
Um dia conjugaram-se as constelações e, numa tarde de permanência pude observá-lo. Os valores analíticos eram estratosféricos, lá fiz a minha prescrição, lá dei os meus conselhos, lá espalhei a minha simpatia. O senhor tinha sido representante da Mercedes em Angola, ainda tinha todos os contactos, pediu-me o meu, queira vender-me dois Mercedes pelo preço de um, aliás pelo preço de meio Mercedes, e lá voltava à conversa sobre Angola, A enfermeira Antónia sorria, todos sorriamos, havia a circunstância de as análises estarem mal, de eu não precisar de nenhum Mercedes, de todos nós sabermos onde isto ia parar.
Não o voltei a ver, internado que estava no dia que tínhamos combinado, a enfermeira Antónia mostrava-me umas análises de vez em quando, baixava a voz para contar os desastres, as vendas loucas, os desgostos familiares, a eterna instabilidade. E eu passava uma receita. Nunca mais o vi. 

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