segunda-feira, 14 de setembro de 2015

e a resposta de Clarissa.

"O amor também destruia. Tudo quanto era belo, tudo quanto era verdade, ía-se. Por exemplo Peter Walsh. Era um homem, encantador, inteligente, com ideias acerca de tudo. Se alguém quisesse saber alguma coisa a respeito de Pope, por exemplo, ou de Addison, ou simplesmente dizer disparates, falar de pessoas, saber como são as coisas, não havia melhor do que Peter. Fora Peter quem a ajudara. Peter que lhe emprestara livros. Mas vejam-se as mulheres que ele tinha amado: vulgares, triviais, comuns. Imagine-se Peter apaixonado: viera visitá-la passados todos estes anos, e de que falara? De si próprio. Horrível paixão!, pensou ela. Paixão degradante!, pensou, lembrando-se de Kilman e da sua Elisabeth a caminho dos Armazéns do Exército e da Marinha.


O Big Ben bateu a meia-hora.
Que extraordinário era, que estranho, sim, comovente, ver a velhota - eram vizinhos havia tantos anos - sair da janela, como se estivesse ligada àquele som, àquela corda. Gigantesco como era, tinha qualquer coisa a ver com ela. Para baixo, cada vez mais para baixo, no meio das coisas vulgares, o sino retinia, tornando o momento solene. Ela era forçada por aquele som, imaginava Clarissa, a retirar-se, a ir-se embora, mas para onde? Clarissa tentou segui-la com a vista quando ela voltou as costas e desapareceu, e viu ainda a sua touca branca a mexer no fundo do quarto. Para quê dogmas e orações e capas de borracha?, quando pensou Clarissa, ali está o milagre, ali está o mistério; aquela velha, queria ela dizer, que podia ver a ir da cómoda para o toucador. Ainda conseguia vê-la. E o mistério supremo que Miss Kilman dizia ter resolvido, ou que Peter diria ter resolvido, mas Clarissa não acreditava que nenhum dos dois tivesse sequer tentado resolver, era simplesmente este: ali estava um quarto; ali outro. A religião explica isto, ou o amor?"

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